O “fascínio pela farda” trouxe Daniel de Gondomar para Caxias

Há 386 novos guardas prisionais em funções a partir desta terça-feira. Sindicatos continuam em guerra com ministra da Justiça. E primeiro-ministro avisa que no sector, como no resto, se deve investir tudo o que é necessário sem pôr em risco as finanças.

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Posse de novos guardas prisionais coincidiu com protesto LUSA/TIAGO PETINGA

Corpo franzino, barba aparada num rosto magro, Daniel Aguiar sempre sonhou entrar numa força de segurança e preparava-se fisicamente para isso. Tentou a PSP e a GNR, mas ficou pelo caminho. Aos 29 anos, as hipóteses de usar a farda de uma força militar ou de segurança estavam a ficar muito reduzidas, por isso o concurso para guarda prisional era a derradeira oportunidade. Deixou o emprego como vendedor de uma loja Leroy Merlin e em nove meses preparou-se para enfrentar outros “clientes”. Agora já está: a partir desta terça-feira integra o corpo da Guarda Prisional do Estabelecimento Prisional de Caxias.

A mãe e a mulher, que nesta segunda-feira apanharam o autocarro bem cedo em Gondomar, lamentam que tenha ficado tão longe de casa mas encolhem os ombros e dizem que esta profissão é a “escolha dele de sempre”. Teresa Aguiar, a mãe, prefere não pensar no acréscimo de perigo na mudança de profissão do filho. “Ele diz que vai correr bem”, responde quando questionada se as notícias de confusões nas cadeias pela falta de guardas não a preocupam. Treme-lhe o queixo mas não desarma: “Até nas escolas falta pessoal e temos que assegurar que funcionam…”

À Carregueira chegaram dez autocarros vindos de vários pontos do país, organizados e pagos pelos familiares e amigos dos 386 novos guardas prisionais que vieram assistir à cerimónia. Andreia Pinto e a sogra pagaram 15 euros cada uma para virem deixar Daniel a cumprir o sonho e acreditam que o conseguirão ver amiúde nas folgas, e que daqui a poucos anos se transfere para uma cadeia mais perto de casa. Ele avisa que tanto pode ficar em Caxias dois anos como 15 anos, “depende dos concursos que abrirem…”

Essa incógnita sobre o futuro sentiu-a já na passada semana: só na sexta-feira ao fim da tarde soube onde teria que se apresentar ao serviço nesta terça-feira mas ainda nem conhece o horário do turno que lhe vai calhar. Houve colegas do Porto colocados na prisão de Beja que nem casa ainda têm. Para já, Daniel desdramatiza: vai ficar no centro de formação até arranjar casa.

É essa calma que quer transpor para o trabalho, e que já ensaiou no estágio dos últimos quatro meses também em Caxias. “Tivemos uma formação virada para a reinserção e reeducação do recluso, para os valores do respeito e tratamento com urbanidade, para que a vida na prisão se torne mais fácil para todos. Com respeito mútuo tudo se faz”, diz, confiante.

Depois deste concurso – que “representa a maior incorporação da história dos serviços prisionais”, como salientou o primeiro-ministro na cerimónia -, não se prevê mais nenhum nos próximos tempos, avisa a ministra da Justiça, apesar de reconhecer que há falta de guardas. Até o director geral dos serviços prisionais, Celso Manata, reclamou que seriam precisos pelo menos mais 200, além da substituição dos que se vão reformar a curto prazo (cerca de mil). Os 386 novos guardas (309 homens e 77 mulheres) representam um reforço de quase 10% do efectivo (em 2017 eram 4409 efectivos para uma população de 13.465).

Protesto ruidoso ao portão da Carregueira

Quase em uníssono, Francisca Van Dunem e António Costa falaram dos investimentos na área prisional, tanto em equipamento como em recursos humanos – lembraram as 540 promoções recentes, a contratação de técnicos de reinserção social, o concurso em breve para pessoal médico (36 profissionais) os 100 milhões de euros previstos no Programa de Estabilidade.

Costa deixou o recado para dentro e fora dos muros da Carregueira: “Como acontece no sistema prisional, sabemos bem que o esforço que foi feito não é suficiente e tem de ser prosseguido. Como tem de ser prosseguido o investimento na saúde, educação e noutras nas áreas da acção do Estado.” Porém, acrescentou, “é essencial que, em cada ano, façamos tudo o que é necessário sem fazer mais do que aquilo que podemos fazer (…) sem criar novos problemas ao país” nem “regressar a períodos em que, em situação de ruptura, nos vimos totalmente privados de fazer os mínimos”.

Do lado de fora do portão da Carregueira concentraram-se dezenas de guardas e familiares com faixas, cartazes e bandeiras pedindo a demissão de Celso Manata por causa da aplicação dos novos horários que, dizem os guardas, deixam as cadeias com um terço dos guardas no período do fim da tarde, colocando em causa a segurança. Fizeram barulho toda a manhã e os apitos e o bombo eram bem audíveis durante os discursos.

Lá dentro, Van Dunem negava haver “impasse” nas negociações com os sindicatos que entrarão em vigor de forma faseada a 30 de Abril e 21 de Maio. Os sindicatos pedem que se suspenda a aplicação dos horários enquanto decorrem as negociações sobre o estatuto, acusam a ministra de “falta de vontade política” e o director-geral de “ofender” os guardas.

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