Os húngaros estão a emigrar mais – e isso é sinal de que algo se passa

Na Hungria não há grande tradição de emigração. Durante o Governo de Orbán, emigraram mais de 500 mil pessoas. Depois das eleições deste mês, parece ter havido um novo impulso.

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Manifestação anti-Orbán no centro de Budapeste Reuters/BERNADETT SZABO
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As eleições na Hungria foram ocorrendo sem ter grandes efeitos na caixa de mensagens da jornalista húngara Dóra Diseri. Quando o actual primeiro-ministro, Viktor Orbán, venceu as eleições em 2010, ninguém a contactou; quando voltou a ganhar em 2014, também não. Mas este Abril, depois da divulgação dos resultados das eleições no dia 8, as mensagens começaram a cair, e na segunda-feira a jornalista, a viver em Berlim, tinha oito contactos de compatriotas com pedidos de informação sobre o que era preciso para viver na Alemanha.

A experiência de Dóra Diseri é ecoada em outros relatos.

Bence Zákonyi, ex-jornalista a viver em Espanha que tem uma empresa de consultoria para húngaros que queiram emigrar, conta como passou de uma média de 50 visitantes por dia no seu site para 800 depois do dia das eleições.

O “caçador de talentos” Marcell Tanay, que tem uma página de ligação a empregos na Europa, diz que depois de 8 de Abril houve um notório aumento de pedidos de registo no site – quatro vezes mais do que o habitual. Tanay sublinhou que foi algo que não aconteceu nem nas eleições de há quatro anos, quando Orbán foi reeleito, nem há oito anos.

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Cartaz de campanha do Fidesz, que tem como alvo George Soros Bernadett Szabo/REUTERS

No Google, o termo “sair do país” esteve entre os mais pesquisados na madrugada a seguir às eleições.

Dóra Diseri nota que quatro contactos que recebeu foram de pessoas que trabalham em empresas multinacionais na Hungria. “Não conseguem lidar com a atmosfera – tinham esperança de que algo mudasse, não digo que o Fidesz perdesse, mas que houvesse uma oposição mais forte. Mas quando o Fidesz ganhou com dois terços, perderam essa esperança.”

Outras duas pessoas são estudantes na Central European University (CEU), financiada por George Soros, que Orbán declarou o “inimigo público número um”, que não terão trabalho na Hungria. As outras duas trabalhavam em cuidados de saúde e terceira idade, trabalho que é muito mal pago na Hungria e onde há muita oferta de emprego na Alemanha.

Ficar onde se nasceu

Ao contrário de outros países na região, a Hungria não tem grande tradição de emigração — com a excepção da vaga pós-1956. Estima-se que mais de meio milhão de húngaros emigraram nos anos do Governo de Orbán, superando a anterior vaga mais significativa, de 200 a 250 mil que deixaram o país na sequência da repressão soviética da revolução húngara, em 1956.

Mas depois das revoluções do Leste em 1989 não houve muitas pessoas a emigrar, ao contrário de outros países da região, como a Polónia ou a República Checa. A tendência húngara é mais de permanência do que de mudança, e não é raro que se viva a vida toda na mesma aldeia ou cidade. Mesmo quando saem, os húngaros tendem a ficar perto: a Alemanha é o principal destino e a esmagadora maioria permanece na União Europeia. “Quando os húngaros emigram, é porque alguma coisa radical se passa no país”, comentou o professor Zoltán Kaposi, da Universidade de Pécs, que fez um estudo sobre as razões da emigração.

Dóra Diseri interessou-se pelo tema quando percebeu que, da sua turma de liceu, grande parte dos colegas já não estavam, tal como ela, na Hungria, algo que não era, até então, comum. “Talvez por termos uma língua tão única, talvez por não termos sofrido tanto como outros países da região, talvez….”, vai supondo. A tradição não era essa, mas foi quebrada.

Apesar de o Governo de Orbán se concentrar na imigração e chegada de refugiados, classificando-a como problemática, a emigração é significativa e pode trazer desafios à sustentabilidade da Segurança Social. Um estudo do Banco Nacional diz que no 3.º trimestre de 2017 as remessas dos emigrantes contribuíram para 2,4% do PIB, em 2010 eram menos de 0,5%.

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Os migrantes são recebidos de forma hostil pelo Governo húngaro Laszlo Balogh/REUTERS

O Governo tem, no entanto, desvalorizado as saídas e o primeiro-ministro defendeu mesmo numa entrevista que não há emigração, mas sim “turismo económico” dos húngaros. Apesar de a economia estar relativamente bem e a taxa de desemprego ser relativamente baixa, os salários são mais altos noutros países europeus, o que justifica a tese do Governo, que tem tentado fixar jovens: com contratos em que ao acederem ao ensino público se comprometem a ficar a trabalhar na Hungria, por exemplo, ou programas para promover o regresso de jovens emigrantes.

Mais motivação política

Dóra Diseri conta como quando, em 2015/2016, fez a sua investigação para um trabalho sobre húngaros que saíram do país para viver em Berlim, não encontrou quem indicasse de modo claro a política do Governo de Viktor Orbán como motivo. “Nunca ninguém disse que tinha saído só por causa de questões políticas”, embora esta pudesse ser uma entre várias razões.

Havia uma família que se aproximava: ambos tinham bons empregos na Hungria, mas decidiram mudar mesmo enfrentando problemas, o marido, especialmente, demorou a encontrar emprego em Berlim. “Mas ela dizia que não queria que a filha fosse educada no sistema húngaro e com aquela atmosfera.”

Depois desta nova vitória de Orbán, isto parece ter mudado. “Tenho a sensação que agora há mais pessoas a admitir o peso desta motivação política”, diz Dora Diseri. “Claro que também há um factor: vivo em Berlim, que poderá atrair mais pensadores, artistas, pessoas que dão mais valor à liberdade.”

Quando os resultados da última votação foram divulgados mostraram que uma esperança de mudança era uma ilusão. “Não se vai conseguir parar este ódio”, nota Dóra Diseri. “O discurso contra associações, organização não governamentais que ajudam pessoas pobres, migrantes… Não se consegue lidar com isto, todo o dia, no trabalho, na rádio — os media são cada vez menos independentes, não há nenhum jornal diário que não seja do Governo”, diz.

Dias após a vitória renovada do Fidesz uma revista pró-Governo publicou uma lista com nomes de “agentes”, ou “mercenários” de George Soros, que trabalhariam contra os interesses do país. Eram 200 pessoas, entre académicos, jornalistas e responsáveis de organizações não governamentais. Uma televisão mostrou nomes e fotografias de alguns. Apesar da atmosfera pesada, a resposta não tardou a chegar: no dia seguinte, 5000 pessoas tinham assinado uma petição sarcástica pedindo: “Juntem-me à lista!”

Quem sai não fica sujeito a esta atmosfera, mas não lhe fica imune. “Os apoiantes do Governo usam a expressão ‘alta traição’ para falar da emigração”, conta Dóra Diseri. “Quem sai do país é estigmatizado.”

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