“Os portugueses são o problema e a solução”

Mark Beighley, especialista em incêndios, previu o que aconteceu no ano passado e diz que Portugal pode vir a ter uma época de fogos bem pior, com mais de 750.000 hectares ardidos.

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Apesar do que ardeu em 2017, Mark Beighley diz que ainda há muito mais em risco grave de arder Adriano Miranda

Desde 2004 que anda a dizer o mesmo, mas agora aumenta a parada: o “novo normal” para Portugal é ter épocas de elevado risco de incêndios florestais e pode acontecer que num ano os incêndios consumam mais de 750.000 hectares de floresta, mais 50% do que aconteceu em 2017.

Os números assustam, mas é mesmo essa a intenção de Mark Beighley, o norte-americano especialista em incêndios na Califórnia e que fez um relatório em parceria com o Instituto Superior de Agronomia (ISA). Na apresentação do documento esta sexta-feira de manhã no ISA, Beighley defendeu a necessidade de se estar atento, apesar de a época de incêndios do ano passado ter sido muito agressiva. “As áreas que arderam vão ficar rapidamente com vegetação inflamável. Ainda têm muita área de risco para arder”, disse. “Temos de continuar a pôr o pior cenário em cima da mesa. Pode acontecer”, rematou.

E o pior cenário demonstra que podem acontecer mais catástrofes. Beighley cruzou os dados dos incêndios do ano passado com as zonas de risco de incêndio em Portugal e só esse dado mostra que há uma vasta zona no Norte e no Algarve que pode arder e provocar um ano de fogos tão ou mais grave do que 2017.

Os números impressionam ainda por comparação com outros países. Em Portugal, referiu, há 1488 incêndios por milhão de pessoas. Em França, esse valor é de 55, na Grécia de 77, na Itália de 83 e em Espanha, o segundo país com mais ocorrências, é de 246.

Perante estes dados, Beighley defende que é preciso incutir uma mudança de mentalidades. “Não são terroristas, não são aviões, são os vossos vizinhos que provocam incêndios. Os portugueses são o problema, mas também são a solução”, disse na apresentação. 

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Uma frase polémica que assegura ter dito ao primeiro-ministro, António Costa, com quem falou no final do ano passado, numa aula de vários especialistas estrangeiros aos governantes. “O público precisa de participar, de ajudar. É o quarto pilar”, disse. 

Contudo, esta participação é difícil, admite este especialista, porque “as pessoas são relutantes em reportar actividades suspeitas” e por isso é preciso incentivá-las e criar condições. Tal como aconteceu nos Estados Unidos, Mark Beighley defende que se crie uma linha anónima para que seja fácil reportar actividades suspeitas.

Bombeiros não fazem bem os rescaldos

Esta é uma das sugestões deste norte-americano, que aponta outro problema grave em Portugal: há um grande número de incêndios que são provocados por reacendimentos. Isto acontece, diz, por várias questões. Porque os bombeiros não usam ferramentas manuais, porque ficam na maior parte das vezes apenas na estrada, porque apagam os fogos apenas com água e consideram “desprestigiante” usar ferramentas manuais para remexer a terra, mas sobretudo “porque há demasiados fogos” e por isso os bombeiros não conseguem fazer o rescaldo dos fogos por completo: “Ainda não acabaram de apagar um por completo e já têm de ir para outro.” 

Como solução para este problema, que se encontra em 16% das causas dos incêndios, Beighley sugere que sejam os militares a tratar destas tarefas. Mas disse mais: disse que devem ser os membros do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) a ficar à frente do combate a incêndios, deixando aos bombeiros voluntários a defesa das populações. Isto porque os GIPS são uma força mais atractiva, uma vez que há perspectiva de carreira, porque quando estes profissionais chegam a uma determinada idade e se cansam de combater incêndios “há rotação, podem ir para outro posto”, comentou.

Há ainda muito caminho a percorrer, considera, mas já estão a ser tomadas algumas medidas com as quais Beighley concorda. Lembra que, apesar dos alertas que faz “há 14 anos”, os vários governos tomaram medidas que foram “ineficazes”. No entanto, insiste, é preciso conhecer melhor com o que se lida e neste momento isso não acontece: entre 2011 e 2017, 59% dos incêndios não foram sequer investigados – 14% tiveram causa desconhecida e apenas 27% têm causa conhecida. 

Um trabalho que ainda falta fazer até porque é preciso, disse, que se reduza a responsabilidade humana pelos incêndios. 

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