Uma oportunidade única

Devíamos aproveitar este tempo de juros baixos, que pode não durar, para baixar o custo médio na nossa dívida.

As Obrigações do Tesouro Português atravessam um período de quase estado de graça nos mercados internacionais de dívida pública (quase porque ainda há uns investidores grandes zangados). Devíamos aproveitar este tempo de juros baixos, que pode não durar, para baixar o custo médio na nossa dívida. A médio prazo criamos, assim, mais espaço orçamental para o futuro. Uma oportunidade única para estabilizar os custos da dívida para a próxima década.

No dia 10 de Janeiro deste ano emitiu-se dívida pública a mais de dez anos com uma taxa de juro implícita de 2,137%. Não só a taxa é historicamente baixa, como o diferencial em relação à taxa de juro alemã, indicador da percepção de risco Portugal vs. Alemanha, estava próximo dos níveis mais baixos desde Janeiro de 2016.

Neste momento, no mercado secundário, onde a dívida troca de mãos depois de ter sido emitida, esta obrigação transacciona a uma taxa de juro implícita de 1,72% e com um diferencial em relação à dívida alemã ao nível mais baixo desde Abril de 2010!

Estima-se que o custo médio das Obrigações do Tesouro emitidas pelo Estado até este ano seja de cerca de 4%, com uma maturidade média de perto de sete anos. É grande a diferença que existe entre os custos da dívida pública emitida no passado quando comparados com os custos das novas emissões (4% a sete anos e 1,72% a dez anos). Estamos em posição, inclusivamente, de aumentar as maturidades da dívida que emitimos, a um custo bastante inferior ao do stock de dívida actual. Com a vantagem que fixamos este nível de custos por mais tempo!

Não é por acaso que vários países têm aproveitado para vir ao mercado, em volume, e com maturidades mais elevadas. Espanha emitiu uma obrigação a 30 anos com uma procura acima dos 25 mil milhões de euros (quase o dobro da procura pela emissão anterior da mesma maturidade). O México também voltou a emitir a 30 anos e até o Quénia emitiu uma obrigação nessa maturidade.

O stock de dívida directa do Estado emitido até final de Janeiro de 2018 é de 238 mil milhões de euros. Deste stock, cerca de 50% são Obrigações do Tesouro, o resto são Bilhetes do Tesouro, produtos de retalho, dívida do programa de assistência económica e financeira e outros instrumentos menos relevantes.

Recapitulando: o mercado abriu-nos uma janela para emitir dívida a custos que são mais de metade dos que herdámos do passado, mantendo estes níveis por um período mais longo e em volumes que historicamente são muito elevados. Deparamo-nos, assim, com uma possibilidade transformacional: agir de forma durável sobre a estrutura temporal e de custos de 50% da nossa dívida pública directa.

E como temos visto no passado, estas condições de mercado, que reconciliam o apetite dos investidores por montantes elevados, taxas de juro baixas (juro a dez anos da Alemanha a

0,52%) e procura por maturidades mais longas (têm-se batido recordes de emissão em maturidades longas), podem não durar tanto assim. A Reserva Federal americana tem vindo a subir taxas, e as taxas a dez anos nos Estados Unidos atingiram o pico dos últimos quatro anos. A política de compras por parte da Reserva Federal está em fase de ‘fase out’. As compras por parte do Banco Central Europeu estão a ocorrer a um ritmo mais baixo. E mesmo que os ventos continuem favoráveis por mais dois ou três anos, deveríamos aproveitá-los com convicção. O risco de não o fazer é assimétrico: a estes níveis é difícil as taxas baixarem muito mais, mas podem subir bastante.

As necessidades de financiamento estimadas do Estado português para 2018 e 2019 são de 33 mil milhões de euros, e assumindo que se mantém um certo montante de emissões líquidas no retalho, teremos a oportunidade de emitir 30 mil milhões de euros de Obrigações do Tesouro. Devíamos focar-nos em aumentar a maturidade média da nossa dívida de forma a fixar estes custos por mais tempo como o IGCP tem sempre defendido. O que emitirmos a mais deste valor pode ser utilizado para recompras de obrigações no mercado em maior volume, de forma a prosseguir com a gestão da estrutura de reembolsos da dívida e evitar grandes concentrações anuais. Quanto maior o volume, maior a percentagem do stock de Obrigações do Tesouro cujos custos alteramos para o futuro de forma durável.

Aproveitar um bom momento para gerir os riscos e baixar os custos da dívida para o médio prazo, e facilitar a vida aos que nos vão suceder!

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