Netanyahu vai a Washington procurar um "porto de abrigo" entre os escândalos

Em Israel acumulam-se suspeitas de corrupção. Nos EUA, o primeiro-ministro pode mostrar a sua melhor face.

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O problema de Netanyahu é a acumulação denuvens negras no horizonte Ronen Zvulun/REUTERS

O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, preparava-se para aterrar hoje em Washington, acabado de ser interrogado pela polícia na sexta-feira. Esta viagem é uma oportunidade para mudar o foco da cobertura noticiosa do que alguns jornais israelitas já declararam ser os “últimos dias” do primeiro-ministro para algo mais positivo, um encontro com Donald Trump e um discurso no grupo pró-israelita AIPAC.

A arena internacional é sempre confortável para Netanyahu – às vezes, Bibi é mesmo descrito como um político cuja imagem é mais americana do que israelita; mais polida, menos directa.

E os Estados Unidos de Donald Trump são um palco ainda melhor: Netanyahu será recebido pelo primeiro Presidente dos EUA que ousou anunciar a mudança da embaixada norte-americana de Telavive para Jerusalém, um dos passos mais pró-israelitas de uma Administração norte-americana nos últimos anos. Para Aaron David Miller, antigo negociador e hoje analista do centro de estudos Woodrow Wilson, o que Trump oferece a Netanyahu com esta viagem é "um porto seguro" no meio da tempestade.

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Prime Minister Benjamin Netanyahu upon Leaving for the US: March 4, 2018 ">

Em Israel, o ciclo noticioso está dominado pelos casos em que Netanyahu está a ser investigado – na sexta-feira foi questionado na sua residência, e sua mulher, Sara, na sede da polícia auti-corrupção.

Tráfico de influências

As televisões mostraram imagens da entrada dos agentes e, cinco horas depois, da sua saída. As autoridades não disseram qual dos casos foi o motivo, mas os media indicavam que se tratava daquele em que é acusado de favorecer a empresa de telecomunicações Bezeq em troca de cobertura noticiosa favorável no site da empresa. Netanyahu assumiu ele próprio durante alguns anos o Ministério das Comunicações.

Este é apenas um dos quatro casos em que Netanyahu é acusado de corrupção e tráfico de influências, no outro é acusado de ter recebido presentes no valor cerca de 300 mil dólares de empresários em troca de favores, e noutro de ter proposto ao dono de um jornal medidas para diminuir a circulação de um jornal rival em troco de cobertura mais positiva – nestes dois casos a polícia já recomendou uma acusação.

Entretanto surgiram mais suspeitas, a mais grave, porque chega directamente a Netanyahu como suspeito, é a que envolve a Bezeq (vários responsáveis da empresa estão sob prisão domiciliária como resultado da investigação).

Como escreveu o mais influente colunista de Israel, Nahum Barnea, o principal problema de Netanyahu é “a acumulação de coisas: com tantas nuvens negras no céu, a hipótese de chuva aumenta”.

Ironicamente, o último primeiro-ministro israelita a ir a Washington com uma investigação por corrupção foi Ehud Olmert, pressionado para se demitir pelo próprio Benjamin Netahyahu. Olmert acabou por sair e cinco anos mais tarde foi condenado (já terminou entretanto de cumprir a sua pena).

Netanyahu tem afirmado que está a ser vítima de uma perseguição e assim tem lançado uma suspeição sobre as forças de investigação do país. Depois de ser ouvido na sexta, publicou um vídeo no Facebook com a frase que já tem usado para reagir às notícias das investigações. “Quero dizer que me sinto seguro porque não vai haver nada.”

Destruir o sistema

Esta atitude de criar suspeição sobre as autoridades levou a fortes críticas da imprensa; o jornal Ha’aretz, por exemplo, declarou em editorial que “para salvar a sua pele, Netanyahu vai destruir o sistema”.

No caso de Olmert, não houve qualquer desconfiança sobre o comportamento das autoridades judiciais; Netanyahu tem semeado a dúvida. E se for forçado a sair nos próximos meses, “isso acontecerá entre uma enorme crise de confiança entre os seus apoiantes, que não são exactamente uma minoria negligenciável”, escreveu o jornalista Ben-Dror Yemini no Yediot Ahronot.

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Mural de Netanyahu e Trump a beijarem-se, na cidade de Belém, na Cisjordânia Mussa Qawasma/REUTERS

Netanyahu já disse que só se demitirá se for condenado – o que lhe é permitido pela Constituição, embora não seja o que é geralmente esperado de um primeiro-ministro. O seu partido não tem dado sinais de o deixar cair, nem os outros partidos que fazem parte da coligação.

Assim, na viagem aos EUA junta-se a coincidência de Netanyahu se encontrar com outro líder que também não faz o que é em geral esperado de quem ocupa o cargo e segue as suas próprias regras. Trump não mostrou, por exemplo, a sua declaração de impostos, contratou família próxima para cargos-chave, contrariou informação dos serviços secretos e usa abundantemente a expressão “fake news” para relatos de media credíveis.

Como escreve no Politico Aaron David Miller, o primeiro-ministro “irá provar às pessoas em Israel que não há mais ninguém que possa manter o país seguro”.

A ameaça do Irão é “a armadura” de Netanyahu. Até que ponto poderá resultar? Muitos israelitas, supõe Miller, poderão pensar: “O que é um pouco de corrupção comparado com a perspectiva de aniquilação nuclear?”

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