Casa Branca pede exibição privada do novo Spielberg

Imprensa americana sublinha a ironia do pedido, já que tanto o realizador de The Post como os seus principais intérpretes – Meryl Streep e Tom Hanks – são assumidos e activos críticos de Donald Trump.

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O gabinete de Donald Trump solicitou exibições privadas do novo filme de Steven Spielberg, o drama político The Post, para visionamento na Casa Branca e também em Camp David, onde o Presidente americano se reúne este fim-de-semana com legisladores do Partido Republicano, adiantou o site The Hollywood Reporter (THR), segundo o qual a 20th Century Fox, que produz esta reconstituição ficcionada do escândalo que ficou conhecido como Pentagon Papers, já acedeu ao pedido presidencial.  

Há décadas que Hollywood mantém a tradição de ceder filmes para serem vistos pelo Presidente e respectiva família, e também pelos funcionários da Casa Branca, e o THR sublinha que este pedido pode nem ter partido directamente de Donald Trump. Se se tornou notícia, foi apenas pela ironia de a Casa Branca querer ver um filme interpretado por dois notórios e activos críticos do seu actual ocupante, Meryl Streep e Tom Hanks, e realizado por Spielberg, que já explicou publicamente que quis dirigi-lo para recordar aos americanos, neste clima político marcado pelos recorrentes ataques de Trump aos media, a importância da Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que impede o Congresso de pôr em causa (entre outros direitos considerados fundamentais) a liberdade de expressão e de imprensa.

O THR já pediu um comentário à Casa Branca, e mostra-se compreensivo pelo facto de ainda não ter tido resposta, sugerindo que a equipa de Trump estará neste momento bastante ocupada com as revelações que o recém-lançado livro Fire and Fury, do escritor e jornalista Michael Wolff, vem trazer sobre Trump e o que dele pensam alguns dos seus mais próximos colaboradores e ex-colaboradores, incluindo um dos grandes estrategas da sua campanha, Steve Bannon, que o descreve como “um indivíduo mentalmente instável”.

O filme de Sielberg recorda a posição assumida pela proprietária do Washington Post, Katharine Graham (interpretada por Meryl Streep), quando o governo de Nixon tentou impedir o jornal de prosseguir a publicação de uma extensa e ultra-secreta documentação sobre o envolvimento americano na Guerra do Vietname que um funcionário do Pentágono, Daniel Ellsberg, fizera chegar clandestinamente à imprensa. O braço-de ferro entre a Casa Branca e a imprensa desembocou numa histórica decisão do Supremo Tribunal, que considerou inconstitucionais os mandados emitidos para impedir a publicação dos documentos e autorizou os jornais a prosseguirem a sua divulgação. Aprovada por seis juízes, com os votos contra de outros três, a sentença tem sido interpretada como uma meia vitória, que não protege decisivamente os media contra a invocação do argumento da segurança nacional.

O caso Pentagon Papers é o precursor mais óbvio do escândalo provocado pela divulgação, em 2010, de cerca de 700 mil documentos secretos relacionados com a intervenção americana no Iraque e no Afeganistão, passados à WikiLeaks pelo então analista de informação Bradley Manning, que entretanto se assumiu como transgénero, mudou legalmente de nome para Chelsea Manning e foi libertado em Maio de 2017, após ter cumprido sete anos de uma pena de 35 anos de prisão.

Trump poderá agora ver o filme comodamente e em privado, mas se acaso lhe ocorreu convidar Tom Hanks para a sessão, o que não é muito provável, mais vale desistir da ideia. O actor, numa recente entrevista ao THR, afirmou que recusaria o convite para assistir a Post na Casa Branca. “Nunca imaginei vir a viver num país onde neonazis desfilam com archotes em Charlottesville [no estado da Virginia]”, observou Hanks, que censurou ainda Trump por fazer piadas com Pocahontas numa cerimónia destinada a honrar o papel dos índios navajos na Segunda Guerra Mundial.

E as críticas que Meryl Streep dirigiu a Trump no seu discurso de aceitação do prémio de carreira Cecil B. DeMille correram mundo, bem como os tweets em que o Presidente americano retorquiu, considerando-a “sobreavaliada” enquanto actriz e acusando-a de ser uma marioneta de Hillary Clinton.

Estreado em nove salas de Los Angeles no passado dia 22 de Dezembro, o filme está neste momento em 37 cinemas e passará a ser exibido em todo o país a partir de dia 12. 

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