Criticado por fazer "os mínimos", Centeno aspira influenciar reforma do euro

Conselho das Finanças Públicas diz que a proposta de OE do Governo não cumpre o espírito das regras orçamentais europeias.

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Em Bruxelas, Centeno minimizou as críticas do CFP: “já é um avanço dizer que se fez o mínimo” VALDA KALNINA/EPA

Ao mesmo tempo que, em Lisboa, o Conselho das Finanças Públicas (CFP) acusa Mário Centeno de, no Orçamento que entregou no parlamento, aproveitar as “ambiguidades” das regras europeias para as tentar cumprir “apenas nos mínimos indispensáveis”, em Bruxelas, o ministro das Finanças português continua a não colocar de lado a hipótese de desempenhar um papel central numa eventual alteração dessas mesmas regras, o que certamente aconteceria caso fosse o escolhido para assumir a presidência do Eurogrupo no auge do debate sobre a reforma da moeda única.

No relatório de análise da proposta de OE para 2018 publicada esta terça-feira, a entidade liderada por Teodora Cardoso mostrou ter uma visão muito crítica do documento entregue pelo Governo na Assembleia no mês passado. Diz que os números projectados para o défice (uma redução para 1%, um novo mínimo das últimas quatro décadas) não chegam para garantir aquilo que o país precisa: uma política orçamental que crie o espaço de manobra necessário para poder fazer face a crises futuras.

Seria preciso, diz o CFP, um verdadeiro esforço de consolidação orçamental, que poderia ser garantido se o Governo as regras europeias, tanto numericamente, como no que diz respeito aos seus verdadeiros objectivos.

Mas não. Para Teodora Cardoso e os seus pares, o que o Governo faz no OE é “usar a ambiguidade” das regras europeias para as cumprir “apenas nos mínimos indispensáveis”, continuando “sobretudo empenhado em tirar partido da conjuntura favorável”. O relatório do CFP lamenta que a margem oferecida pelo crescimento da economia, em vez de servir para mais consolidação orçamental, foi usada “não só para aumentar o investimento, mas também as componentes mais rígidas da despesa primária”.

E, apesar de falar dos “mínimos indispensáveis”, o CFP considera que o OE corre mesmo o risco de não cumprir as regras europeias. O Governo calcula que o défice estrutural seja corrigido em 0,5 pontos percentuais, um valor que fica apenas ligeiramente abaixo dos 0,6 pontos exigidos pelas regras. No entanto, de acordo com os cálculos do CFP, a redução implícita no OE é apenas de 0,3 pontos percentuais, um valor é ainda mais pessimista que os 0,4 pontos estimados pela Comissão Europeia e que justificaram o envio por Bruxelas de um pedido de esclarecimentos ao Governo português.

Esta diferença na análise deve-se essencialmente ao facto de Teodora Cardoso considerar que quase todas as medidas classificadas como temporárias e não recorrentes pelo Governo (o que significaria não contarem para o cálculo do défice estrutural) na realidade não o são. Estão nestas condições, os impactos negativos no défice com uma flutuação da receita de IRC de uma única empresa entre 2017 e 2018, com as perdas fiscais relacionadas com o aproveitamento pelas empresas das regras dos Activos por Impostos Diferidos e a despesa com a devolução à Grécia dos ganhos com a compra de dívida do país. Apenas em relação à verba adicional de despesa prevista inicialmente no OE para fazer face aos incêndios, que o Governo revela ao CFP ser de 53,5 milhões de euros, é que existe um consenso entre as duas partes sobre o seu registo como medida extraordinária. Na discussão do Governo com a Comissão Europeia, as medidas extraordinárias serão também um dos temas centrais.

Em Bruxelas, em conversa com os jornalistas, Mário Centeno minimizou as críticas do CFP, afirmando que “já é um avanço dizer que se fez o mínimo”. E mostrou também confiança que, nas discussões com a Comissão Europeia, as divergências patentes na carta inicial podem ser resolvidas.

Em alternativa, o ministro das Finanças preferiu falar do debate que promete dominar as próximas reuniões do Eurogrupo: que reformas realizar na zona euro, nomeadamente, como garantir que existe uma capacidade orçamental comum e o que fazer às regras orçamentais. Tudo numa altura em que, ao mesmo tempo, os ministros das Finanças da zona euro têm de escolher o substituto de Jeroen Dijsselbloem na liderança do Eurogrupo.

Mário Centeno parece empenhado em ter um papel central nestes debates. Questionado sobre o que pensava do apoio dado pelo ministro espanhol Luís de Guindos a uma eventual candidatura sua à presidência do Eurogrupo, Centeno não confirmou a sua intenção de se propor ao lugar, mas assinalou que está envolvido neste momento em contactos com os ministros de outros países para tentar “garantir que à frente do Eurogrupo se consegue constituir uma presidência que tenha uma plataforma de acção próxima daquilo" que são os princípios que Portugal tem defendido para a UE.

Portugal faz neste momento parte de um grupo de países que pretende ver a zona euro avançar para a criação de uma capacidade orçamental importante, que permitisse, por exemplo, ajudar com mais investimento e com despesas como o subsídio de desemprego os países que entrassem numa crise económica grave. Outros objectivos importantes são a conclusão da união bancária e a alteração das regras orçamentais europeias, deixando de dar importância ao défice estrutural e centrando a análise na evolução da dívida pública.

No Eurogrupo desta segunda-feira, estes temas começaram a ser discutidos, sendo que o próximo passo irá ser a apresentação pela Comissão Europeia de uma proposta de reforma, no início de Dezembro. Será com base nessa proposta que os governos irão iniciar uma discussão, que se prevê muito difícil, e já com um novo presidente do Eurogrupo a orientar os trabalhos. 

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