Governo: novas regras do IRS não prejudicam 90% dos recibos verdes

Proposta de alteração ao regime simplificado poderá sofrer ajustes na discussão do Orçamento na especialidade.

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Os advogados insurgem-se contra as alterações ao regime simplificado Rui Gaudêncio

A larga maioria dos contribuintes que estão no regime simplificado do IRS não deverão sair prejudicados com as novas regras de dedução das despesas, calcula o Ministério das Finanças, com base nas estatísticas da Autoridade Tributária e Aduaneira. Depois das dúvidas suscitadas em torno da interpretação da nova lei, muito criticada pela Ordem dos Advogados, o Governo já admite que na discussão do Orçamento do Estado (OE) na especialidade possa surgir uma clarificação, para que não restem dúvidas sobre como é que as regras se aplicam.

Ao todo, de acordo com dados fornecidos ao PÚBLICO pelo Ministério das Finanças, há em Portugal um milhão e 43 mil pessoas no regime simplificado (correspondentes a um universo de 600 mil agregados familiares, por haver dois membros do casal que trabalham a recibos verdes). Quase 90% não perdem nem beneficiam das alterações.

São 929 mil (89% do total) os contribuintes que ganham menos de 16.416 euros por ano (uma média de 1368 euros). Este é o universo que fica protegido das alterações ao regime simplificado, porque elas lhe são neutras. Se os rendimentos não ultrapassarem aquele nível de rendimento, está assegurada uma dedução de 4104 euros, significando isto que o valor deduzido não é inferior ao que hoje existe. No caso dos profissionais liberais, ela corresponde a 25% do rendimento, continuando o IRS a incidir sobre 75% da facturação.

Actualmente, o regime simplificado prevê que o IRS incida sobre uma percentagem fixa do rendimento que a pessoa auferiu ao longo do ano. O fisco abdica de saber efectivamente qual é o real valor das despesas e encargos, assumindo sempre um valor fixo, balizado por coeficientes. Por exemplo, nos profissionais liberais, o coeficiente é de 0,75, ou seja, o IRS incide sobre 75% do rendimento recebido e essa dedução automática é de 25%.

No novo modelo, o Governo prevê que o rendimento alvo do IRS não pode ser inferior ao rendimento tributável que resultaria se fossem deduzidos 4104 euros (o valor igual à dedução específica dos trabalhadores por conta de outrem). A partir deste ponto, a dedução só chega ao limite máximo previsto (dos tais 25% no caso dos profissionais liberais) se houver despesas suficientes suportadas no E-Factura.

É isso que acontece, segundo Ministério das Finanças, para o universo de contribuintes que têm rendimentos anuais acima dos 16.416 euros – 114 mil pessoas, ou seja, 11% dos casos. Aí as novas regras já acabam por ter impacto. A dedução dos 4104 euros está assegurada. Acima desse montante, o que resta até se atingir o tecto máximo equivalente à dedução prevista no código do IRS tem de ser justificado com despesas.

Só se a pessoa não atingir o valor de despesas máximo que equivale à dedução automática é que haverá um agravamento do IRS. Se a pessoa justificar os encargos através do E-Factura de forma a atingir o máximo da dedução não há aumento.

Essa foi a intenção do Governo quando avançou com a nova norma, mas a redacção da lei tem suscitado interpretações diferentes entre fiscalistas e nem todos a lêem desta forma. Daí que o Ministério das Finanças admita agora revisitar a nova norma, para deixar claro que é assim que se tem de proceder.

Advogados estão contra

O Bloco de Esquerda e o PCP ainda estão a avaliar a incidência das alterações, mas o assunto promete entrar na discussão do Orçamento na especialidade, porque o Governo já o admite. Do lado do CDS, Assunção Cristas mostrou discordância, ao considerar no sábado que há um “esvaziamento total do regime simplificado”. 

A Ordem dos Advogados insurge-se conta as alterações, acusando o Governo de “acabar com o regime simplificado sem, porém, querer assumir tal objectivo”, passando a existir um mecanismo desleal de limitação à dedução de custos. O que é positivo no regime em vigor, contrapõe a Ordem, é o facto de ele ser uma “solução de compromisso” entre o Estado e os profissionais liberais. “Se, por um lado, os cidadãos prescindiam do apuramento rigoroso do seu rendimento, por outro, o Estado prescindia da validação exaustiva dos custos incorridos por estes no âmbito da sua actividade”.

Para António Schwalbach, da sociedade de advogados Telles de Abreu, há uma subversão do equilíbrio do actual regime. Com as novas regras, argumenta, saem prejudicados os “verdadeiros recibos verdes”, que até aqui “podiam perder nuns anos” se tivessem despesas superiores à dedução, mas “ganhavam noutros”, quando os encargos eram inferiores à dedução automática.

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