Impacto das novas regras levanta dúvidas sobre IRS dos recibos verdes

Alterações ao regime simplificado do IRS força trabalhadores a apresentarem despesas para abatimento. Novo regime contributivo continua sem avanços.

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O mínimo de existência do IRS vai passar a abranger os trabalhadores a recibos verdes Nelson Garrido

As alterações ao regime simplificado do IRS, incluídas na proposta do Orçamento do Estado, trazem algumas surpresas para os comerciantes, retalhistas, advogados, pequenos empresários e outros contribuintes que passam recibos verdes. Embora o ministro Mário Centeno assegure que os trabalhadores independentes vão pagar menos imposto em 2018, isso não é certo para todos, à luz das simulações da PwC e de outras consultoras fiscais.

Há contribuintes que se arriscam a pagar mais IRS especificamente por causa das novas regras do regime simplificado, segundo a PwC. E isso pode acontecer, por exemplo, com um recibo verde que em 2018 ganha 15 mil euros brutos (uma média de 1250 euros mensais) e não apresenta quaisquer despesas no E-Factura associadas à sua actividade profissional, de acordo com a PwC.

Para os trabalhadores independentes com rendimentos até aos 200 mil euros por ano, o regime simplificado em vigor há mais de 15 anos prevê que o IRS só incida sobre uma percentagem do valor ganho, porque se presume que uma fatia são despesas.

Só que em vez de o fisco subtrair ao rendimento bruto as despesas incorridas por esse trabalhador na sua actividade profissional ao longo do ano, existe uma espécie de dedução automática, definida a partir de um coeficiente. A pessoa não tem de apresentar as despesas porque os valores da dedução são automáticos (variando consoante os serviços ou actividades profissionais). Por exemplo, nos profissionais liberais, o coeficiente é de 0,75, ou seja, o imposto incide sobre 75% do rendimento recebido e a tal dedução automática equivale aos restantes 25%.

Agora haverá uma reformulação das regras. Os coeficientes não desaparecem. Mas depois de eles se aplicarem, o rendimento alvo de IRS não pode ser inferior ao rendimento tributável que resultaria se fossem abatidos 4104 euros (o valor da dedução específica que existe para os trabalhadores com rendimentos do trabalho dependente); “ou, se inferior” – diz a proposta do Governo –, da aplicação dos coeficientes não pode resultar um rendimento tributável  inferior ao que seria obtido pela dedução das despesas justificadas através da plataforma do E-Factura.

Há quem diga que, agora, em vez de um regime simplificado, há um “verdadeiro regime complicado”, como o apelida Luís Leon, da consultora Deloitte, ouvido pelo PÚBLICO. “Para quem está abaixo da dedução dos 4104 euros o regime é neutro, porque a pessoa já não deduzia e continua a não deduzir. Também não é melhor: é igual. Para todos aqueles em que a aplicação do coeficiente der uma dedução acima de 4104 euros já não se aplica o coeficiente – ou melhor, aplica-se desde que tenha despesas para justificar”, interpreta o fiscalista.

Apesar de o ministro ter garantido neste sábado numa entrevista à Antena 1 que não haverá um aumento do IRS, a redacção da norma está a suscitar dúvidas entre fiscalistas.

A consultora PwC encontrou várias situações em que o IRS se agrava por causa desta reformulação. Entendem os fiscalistas desta consultora que “o coeficiente só poderá ser aplicável quando resultar numa dedução ao rendimento” inferior aos 4104 euros e ao valor das despesas das facturas, “sendo que destes valores será sempre aplicável o menor”. É esta alteração, dizem, que “levará a um incremento do rendimento tributável em 2018 sempre que algum dos montantes constantes nas alíneas acima seja inferior à dedução resultante do coeficiente, o que resultará num aumento do imposto devido.

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No entanto, o ministro Mário Centeno garantiu o contrário na entrevista à Antena 1. “Os trabalhadores independentes vão, tal como todos os outros trabalhadores em Portugal, pagar menos IRS”. Hoje, defendeu, “ninguém entende que um contribuinte possa ter acesso a uma dedução automática sem prestar contas” e por isso há esta alteração. “Os limites dessa dedução não foram alterados”, referiu ainda. Assim sendo, o ministro estaria tranquilo se fosse um trabalhador independente e se fosse confrontado com esta alteração? “Sim”, respondeu Centeno à Antena 1.

A isenção do IRS

Em cima da mesa estão outras medidas que abrangem quem passa recibos verdes. A partir de 2018 o chamado “mínimo de existência” do IRS vai passar a abranger os trabalhadores independentes, algo que hoje só existe para os pensionistas e os trabalhadores por conta de outrem. Na Antena 1, Centeno defendeu a importância da medida, pelo “impacto enorme” que terá nos “falsos recibos verdes”. Esta é a regra que impede que os contribuintes, depois de aplicadas as regras do imposto, não fiquem com um rendimento líquido anual inferior a um determinado montante.

Há, no entanto, outras medidas dirigidas aos recibos verdes que ainda não estão no terreno. Apesar de a reformulação do regime contributivo dos trabalhadores independentes estar prometida no programa do Governo e nos últimos orçamentos, a medida continua a não avançar, deixando estes trabalhadores presos a um sistema muito criticado.

A intenção do Governo é aplicar as novas regras em Janeiro de 2019, mas depois de um braço-de-ferro com o Bloco de Esquerda, na semana passada, acabou por prometer que iria intensificar os trabalhos para ter o regime pronto ainda este ano e aplicá-lo mais cedo.

Entre as medidas em cima da mesa está a alteração ao período sobre o qual incidem os descontos dos trabalhadores a recibos verdes. A contribuição passará a incidir sobre os rendimentos auferidos no trimestre anterior (agora tem por base o rendimento dos últimos 12 meses) e cria-se um desconto mínimo de 20 euros quando há interrupção de actividade, deixando em aberto outras alterações que constavam de um acordo com o BE. com Raquel Martins

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