O Diabo está nas carreiras

Na semana que falta até à entrega do Orçamento resta ao Governo resolver dois dilemas.

Parece que o Presidente está preocupado com uma crise política, mas não vale a pena preocupar-se de mais. Depois de umas semanas de negociações mais discretas, o Governo começou a sinalizar aos parceiros que terá margem para os fazer felizes com o próximo Orçamento.

Afinal, como já dizíamos no PÚBLICO há cerca de um mês, a redução do IRS vai mesmo aplicar-se ao segundo e terceiro escalões e já em 2018. Era um segredo de polichinelo: quando tentava desmentir a notícia, o Governo deixou cair um universo de famílias beneficiadas — 1,6 milhões — a que só seria possível chegar se fosse assim.

Como já aqui explicámos no sábado, também para o PCP haverá um sinal de abertura. A notícia que António Costa deu na quarta-feira no Parlamento, explicando que o mero crescimento da economia levará a um aumento real das reformas no próximo ano, é meio caminho andado: acima dos 580 euros de pensão, os dez euros estão já garantidos pela lei — o que significa que, mesmo que aconteça um desastre económico no quarto trimestre do ano, Centeno já orçamentou a proposta assim. Falta o resto, que não será insuportável.

E não o é porque o PIB já deu uma folga orçamental muito considerável a Mário Centeno, de mais de 1000 milhões de euros. Chega para reforçar no IRS e nas pensões, até para libertar outras soluções — no subsídio de desemprego, ADSE, horas extra, etc.

Na semana que falta, porém, resta ao Governo resolver dois dilemas. O primeiro é a prenda a dar ao outro lado da coligação, Bruxelas e agências de rating — porque só um objectivo de consolidação mais ambicioso permitirá baixar a dívida e chamar investidores. O segundo dilema é que é o Diabo: trata-se do descongelamento das carreiras da administração pública, onde o nó é tão difícil de desatar que não há PIB que resolva.

O descongelamento de sete anos de carreiras bloqueadas vai, pelo que se sabe agora, demorar quatro anos a cumprir-se plenamente. Seria sempre um problema, mas é maior do que parece: é que nestes quatro anos, se a economia continuar a crescer assim, o sector privado vai tornar-se mais competitivo. E o risco de os quadros qualificados que ainda sobram no Estado saírem para lá é, claro, enorme.

Se estivéssemos numa circunstância diferente, talvez o Governo estivesse a pensar agora numa forma de segurá-los, mudando a forma como se avaliam e progridem os funcionários públicos, tornando o processo mais semelhante ao que se pratica nos outros sectores da economia — menos automáticos, mais dependentes das circunstâncias e da avaliação. Aí está um tema bom para a próxima legislatura. Talvez ainda vá a tempo.

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