Chave para ler o país político que sairá de 308 eleições locais

Domingo à noite estarão eleitos 308 presidentes de câmara e milhares de representantes no poder local. Mas as autárquicas terão inevitáveis leituras nacionais. O PÚBLICO explica-lhe os vários cenários possíveis para o day after eleitoral.

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Os resultados das autarquicas terão leituras nacionais Daniel Rocha

Os portugueses vão escolher este domingo os seus representantes no poder autárquico, aquele que mais perto está dos cidadãos, através eleição de candidatos às câmaras e assembleias municipais dos 308 concelhos e às assembleias de freguesia de onde emanarão as presidências de juntas das 3085 freguesias que compõem o território nacional. Daí a importância destas eleições e daí o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, ter feito questão de afirmar, durante a campanha, que “quem não usa a arma do voto acaba por desperdiçar essa arma”.

Mas o resultado que na noite de domingo sair das urnas terá sempre implicações nacionais e dele serão feitas leituras para cada um dos partidos em concurso e também para o Governo. Os socialistas dominam há quatro anos a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) que estava então na posse do PSD desde as autárquicas de 2001, uma eleição que terminou, aliás, com uma estrondosa leitura nacional: a demissão na mesma noite eleitoral do então primeiro-ministro, António Guterres.

Passar ao largo

A memória da noite em que Guterres disse rejeitar o “pântano político” é a prova de que teoricamente as implicações nacionais das autárquicas são reais. E, desse ponto de vista, tudo pode acontecer domingo à noite ou no day-after eleitoral, incluindo a possibilidade de os alicerces do actual Governo liderado por António Costa virem a tremer.

Assim, ainda que não se prevejam implicações tão bombásticas ao nível da governação e por mais que António Costa tenha já dado sinais de que pretende passar ao lado das autárquicas no plano da leitura partidária interna, não se sabe até que ponto o resultado das urnas poderá abalar as estruturas do Governo e, sobretudo, a relação entre os socialistas e os parceiros de maioria de esquerda, o BE e o PCP. Mas se subir, é previsível que procure capitalizar a vitória.

O PS parte em vantagem no poder autárquico. Há quatro anos conquistou 150 câmaras, onde se incluem grandes centros urbanos como Sintra, e capitais de distrito como Lisboa, Leiria e Coimbra. Em jogo, para os socialistas, está até que ponto poderá manter o score de 2013, se irá baixá-lo e quanto ou, pelo contrário, se o irá suplantar. Mas não se esperam grandes derrotas, até porque o PS parte com um margem dilatada.

Resistir até 2019

O partido sobre o qual há mais expectativa em relação à leitura nacional dos resultados e ao day-after é o PSD. Há quatro anos, o PSD teve um dos piores resultados autárquicos da sua história. Quando se faziam sentir intensamente as medidas de austeridade adoptadas pelo governo de Passos Coelho para cumprir o acordo com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional - que, em 2011, viabilizou o empréstimo de 78 mil milhões de euros ao Estado português -, o PSD sofreu uma pesada derrota e ficou apenas com 106 presidências de câmaras, contra as 139 que garantira em 2009.

O PSD parte assim de um resultado baixo e é expectável que venha a subir em termos de câmaras e mandatos. Mas o presidente do partido, Passos Coelho, já baixou a fasquia destas autárquicas. Começando por falar na reconquistar a presidência da ANMP, durante o período oficial de campanha eleitoral passou a apontar apenas como objectivo o crescimento em câmaras e mandatos.

O resultado do PSD e a dimensão do crescimento desejado pela liderança de Passos será uma dos momentos da noite eleitoral e um dos temas que mais pode aquecer a política portuguesa pós-autárquicas. O descontentamento de sectores do partido em relação à liderança tem anunciado contestação e ela poderá aumentar sabendo-se já que as eleições directas para presidente estão previstas para o início do ano. Uma certeza parece, no entanto, existir, se o PSD não ganhar centros urbanos e cidades – as mais populosas são Lisboa, Sintra e Matosinhos - e se a subida não for significativa terá de se confrontar com as críticas internas e a oposição.

Prevenindo o day after, Passos fez já questão de avisar que não abandonará a liderança por iniciativa própria e que disputará as directas e o congresso de 2018 para garantir que é candidato a primeiro-ministro em 2019. Ainda esta semana, em entrevista à Rádio Renascença, afirmou: “Claro que se o PSD tiver um mau resultado autárquico é mau para a liderança do PSD. Mas a liderança do PSD não está em jogo com o resultado destas eleições.” E rematou: “As pessoas conhecem-me, sabem e já me ouviram dizer várias vezes que as eleições autárquicas não servirão nem para eu me pôr ao fresco nem para eu fazer provas de vida dentro do PSD.”

Todas as fichas

Também o CDS joga alto em termos de consequências nacionais. Parte de um score de cinco câmaras e quer crescer em termos gerais, mas o facto é que, para o CDS, o nó górdio destas autárquicas passa por Lisboa, onde este partido joga as suas fichas mais fortes tendo a própria presidente, Assunção Cristas, como candidata.

Mais, Assunção Cristas estabeleceu para si uma meta que lhe poderá ser cobrada: quer igualar ou mesmo ultrapassar os 7,59% atingidos por Paulo Portas na capital em 2001. Se conseguir igualar Portas cantará vitória, um grito ganhador que será mais intenso se ultrapassar o ex-líder. Este é, assim, o grande momento de afirmação da liderança de Assunção Cristas ou poderá ser um abalo à solidez do seu poder partidário.

Soar campainhas

A arriscar menos em termos nacionais nestas eleições está o PCP. Pelo menos aparentemente, já que não aposta a sua liderança. Mas as autárquicas são sempre importantíssimas para os comunistas. Têm tradição no poder local e há quatro anos ampliaram mesmo o número de presidências de câmaras, subindo de 28, em 2009, para 34.

Embora com o objectivo assumido pela direcção de aumentar câmaras e mandatos – o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, repetiu na campanha a necessidade de o PCP “ganhar força” -, o partido poderá sentir-se confortável se mantiver o patamar que detém hoje.

Mas se os comunistas caírem muito nas urnas, o seu resultado poderá ter consequência no apoio ao Governo do PS. Este efeito não se sentirá no imediato, já que não é expectável o voto contra no Orçamento do Estado para 2018 que está em fase de negociação. Mas uma perda grande de poder autárquico comunista pode fazer soar as campainhas do perigo. É que uma eventual erosão eleitoral acentuada pode significar que o PCP sucumbiu ao chamado “abraço do urso” do PS na sequência do apoio ao Governo. Isso iria dificultar a disponibilidade do PCP para um futuro acordo.

Lançar rede

Quem joga forte nestas autárquicas é o BE. Este partido aposta pela primeira vez a sério, empenhado em criar uma rede de vereadores que lhe permita alcançar uma implantação nacional. Antes nunca o fez. E até hoje só liderou uma câmara, a de Salvaterra de Magos, entre 2005 e 2013. Há quatro anos elegeu apenas 8 vereadores. Agora, é claro o objectivo de aumentar pelo menos o score da vereação.

Se os objectivos do BE falharem não é expectável que isso tenha grandes implicações a nível nacional, nem que venha a influenciar a atitude do BE face ao apoio ao Governo do PS. Se os bloquistas conseguirem crescer, a coordenadora nacional, Catarina Martins, já avisou que está disponível para coligações pós-eleitorais e acordos camarários com o PS e o PCP, à imagem do entendimento na Assembleia da República.

Novos players

Há ainda um outro partido que poderá tirar leitura nacional das autárquicas: o PAN. Não é a primeira vez que concorre ao poder local, mas é a primeira vez que o faz na condição de partido parlamentar, já que em 2015 elegeu um deputado. Agora, quer consolidar a representação, elegendo vereadores. Em 2013, elegeu cinco deputados municipais.

Por fim, há um outro factor que deverá ser tido em conta na análise dos resultados. Tem também a ver com o surgimento de novos players no poder local. Hoje existem 13 câmaras lideradas por presidentes eleitos em listas apresentadas por movimentos de cidadãos. Irão aumentar? Irão diminuir? Quantos presidentes de câmara serão eleitos que nunca o foram antes por qualquer partido? Até que ponto o descontentamento do eleitorado com os partidos políticos irá transferir votos para movimentos de cidadãos? Teremos de esperar por domingo à noite para começar a definir as cartas com que se jogará a política portuguesa daqui para a frente.

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