Shinzo Abe quer os japoneses (um bocadinho) assustados

A ameaça da Coreia do Norte é real, mas as ambições do primeiro-ministro nacionalista que quer mudar a Constituição pacifista do Japão também.

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Abe foi pela primeira vez eleito em 2006 e regressou ao poder em 2012 Kimimasa Mayama/EPA

Os acontecimentos das últimas semanas parecem dar-lhe razão. Mas entre os comentadores e especialistas em política japonesa, muitos vêm o último teste nuclear da Coreia do Norte (no domingo) e o míssil norte-coreano que a semana passada sobrevoou o Norte do Japão como uma prenda para o primeiro-ministro, o conservador e nacionalista Shinzo Abe, e as suas ambições belicistas.

Abe repetiu esta segunda-feira que o Japão fará tudo o que estiver ao seu alcance, em cooperação com os Estados Unidos, para se defender contra mísseis disparados por Pyongyang, sem deixar de sublinhar que Tóquio conta igualmente melhorar as suas capacidades de defesa antimíssil.

Na verdade, esse plano está há muito em marcha – depois de Abe ter feito aprovar, em Julho, 11 leis que tornarão mais fácil a participação de tropas japonesas ao lado de militares aliados, o seu ministro da Defesa pediu agora um aumento de 135 milhões de euros no orçamento (se for aprovada, o orçamento chegará aos 40,5 mil milhões de euros, um recorde). Dinheiro que deverá ser usado para melhorar a defesa antimíssil, mas também para adquirir caças, um submarino e dois navios de guerra, e ainda para investigação que permita aumentar a capacidade e o alcance dos seus próprios mísseis – tecnologia que pode ser usada para desenvolver armas ofensivas.

Shinzo Abe viu as manifestações junto ao Parlamento quando se votaram as leis que aligeiram as restrições impostas aos soldados japoneses e sabe que não tem apoios para mudar a Constituição pacifista do país – oficialmente, as Forças Armadas ainda se chamam Forças de Auto Defesa. O seu objectivo é rever a Constituição do pós-II Guerra que impede o país de entrar em conflito; enquanto o adia, Abe faz o que pode para reinterpretar o texto, não deixando de publicitar vontades como o relançamento da frota nuclear do país.

O míssil norte-coreano de médio alcance de tipo Hwasong-12 foi o primeiro a sobrevoar o Japão desde 2009. Mas muitos misseis têm caído com regularidade na Zona Económica Exclusiva japonesa. E há meses que alguns jornais japoneses questionam a eficácia dos exercícios em que é dito às populações para se abrigarem, simulações organizados pela Autoridade da Regulação Nuclear do país. Ausência de abrigos reais, confusão nas ordens de evacuação… Para o jornal Tokyo Shimbun, o que o Governo de Abe quer “é criar a sensação de crise para justificar o aumento nas despesas com a defesa”, ao mesmo tempo que “distrai o público dos escândalos que rodeiam a Administração”.

Para além dos exercícios reais, o Governo lançou uma campanha de relações públicas com a difusão de “anúncios de serviço público” em 43 televisões comerciais com instruções para reagir no caso de um ataque e a compra de espaço publicitário em 70 jornais. A campanha custou 2,7 mil milhões de euros. A verdade é que desde que chegou ao poder pela segunda vez, em 2012, Abe tem promovido inúmeras campanhas de relações públicas e esta será também uma forma de tentar controlar os media, ávidos por vender publicidade.

Regressemos ao míssil da madrugada de 29 de Agosto. Foi disparado sem ogiva e quando passou por cima do Japão tinha alcançado uma altura de 550 quilómetros, notam alguns analistas, explicando que seria quase impossível o projéctil provocar quaisquer danos. Por outro lado, recordam, se Pyongyang quisesse bombardear o Japão tem um arsenal bem testado de mísseis de médio alcance capazes de o fazer. Um cenário em que poucos acreditam dada a natureza suicida da operação (os EUA teriam de contra-atacar).

“Seria excessivamente cínico sugerir que ele [Abe] apreciou o fogo-de-artifício disparado por cima da sua cabeça por Kim Jong-un”, escreve Richard Lloyd Parry, editor para a Ásia do diário britânico The Times, a viver em Tóquio. “Mas ao exagerar o risco físico que este colocou, Abe está a criar um público mais assustado, mais incerto e mais receptivo à ideia de um Japão militarmente forte”.

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