O outro debate sobre o Irão: Islão, democracia e secularismo

Nos últimos anos, o foco principal da comunidade internacional e dos media em relação ao Irão tem sido a questão nuclear e a política externa iraniana. No entanto, existe outro aspeto que nas próximas décadas poderá ter uma influência crucial.

A influência da ideologia nas mudanças institucionais não é uma ideia nova, ainda assim só agora começa a ser desenvolvida. Murat Iyugin e Jared Rubin, economistas da Universidade do Colorado e Chapman, estão a desenvolver um modelo que explica esta relação. Quando surgem novas tecnologias e/ou um grande evento, por exemplo, um golpe de Estado, a incerteza aumenta devido à incompreensão de como a tecnologia se irá encaixar com a ideologia e instituições prevalecentes. Esta incerteza desencoraja o investimento nas instituições e pode levar a uma reação ideológica que coloca um valor superior nos valores tradicionais.

Muitas vezes, os valores tradicionais são incompatíveis com as novas tecnologias e instituições porque foram formados quando o ambiente institucional e tecnológico era completamente diferente. Apenas quando a superioridade das novas tecnologias supera os riscos, o ritmo de mudança institucional acelera em conjunto com uma ideologia compatível.

Existem alguns dados que apontam que o Irão tem nos próximos anos uma elevada probabilidade de democratização, considerando fatores demográficos e económicos: uma idade média de 29,4 anos, elevado nível de escolarização (em 2016, 75,89% dos homens e 67,65% das mulheres que terminaram o secundário inscreveram-se num curso superior), o maior declínio de fertilidade do mundo e um elevado desemprego jovem (22,6% nos homens, 41,4% nas mulheres).

Para perceber que mudança institucional poderá surgir é preciso compreender o debate atual e o que levou até ele; uma aplicação do modelo de Iyugin e Rubin.

O sentimento antiocidental no Irão surgiu no séc. XIX, quando os governos da dinastia Qajar concederam uma série de negócios — sobretudo à Grã-Bretanha —, e explodiu durante a segunda metade do séc. XX, após o golpe de Estado realizado pelos EUA e Grã-Bretanha para derrubar o primeiro-ministro Mossadegh e entregar o poder total ao Xá Pahlavi. Apesar de este ter tentado modernizar o país, o seu reinado é lembrado pelo autoritarismo e corrupção. Este é um breve resumo de uma história conturbada que, juntamente com os movimentos anticoloniais e de libertação dos anos 60, inspirou Shariati a apresentar a ideia de que o xiismo era uma ideologia que poderia superar o marxismo na defesa da revolução e da luta de classes, bem como na oposição ao capitalismo e imperialismo. Ele argumentou que uma boa sociedade é aquela que se conforma com os valores islâmicos, e sugeriu que a função do governo deve ser guiá-la, em vez de tentar geri-la da melhor maneira possível, e que os membros mais instruídos para essa função eram o clérigo.

Apesar de a República Islâmica estabelecida em 1979 não ter sido baseada na doutrina política de Shariati, muitos dos seus aspetos foram materializados, incluindo a politização da religião e a reconstituição da sociedade com base nos princípios islâmicos de justiça. A República Islâmica adotou a velayat-e-faqih (traduzido “governo do jurista”), definida pelo Aiatola Khomeini. O conceito defende que a maior autoridade da Revolução Islâmica deve ser uma das maiores autoridades religiosas e o líder político que “compreende o seu tempo”.

Em 1981, o economista Douglass North (prémio Nobel) afirmou que “os indivíduos alteram as suas perspetivas ideológicas quando as suas experiências são inconsistentes com a sua ideologia”.

Considerando o resultado da Revolução, o nível de críticas ao regime político no Irão aumentou nos anos 90. Abdolkarim Soroush, considerado no Ocidente o Lutero iraniano, é um crítico da utilização do Islão como ideologia; segundo este, existe uma diferença entre a religião divinamente revelada e o conhecimento religioso influenciado pelos contextos socio-históricos — não havendo um entendimento definitivo do Islão, nenhum grupo pode reclamar possuir o verdadeiro conhecimento; além disso, um estado ideológico transforma-se num estado totalitário. Soroush introduziu o conceito de democracia religiosa, hoje um dos principais assuntos de investigação dos intelectuais iranianos; numa democracia religiosa, os valores da religião desempenham um papel na arena pública. Ele não nega a existência de um líder religioso no governo, mas esse líder tem de estar sujeito a crítica e remoção pelo povo.

Do outro lado, a favor de uma mudança institucional, existem os intelectuais seculares. Akbar Ganji argumenta que, no séc. VII (quando surgiu o Islão), não existia na Península Árabe um estado ou governo, as populações eram dispersas, pequenas e tribais e por isso o Corão não tem nenhum ensinamento em como formar um Estado Islâmico. Numa carta intitulada “Manifesto Republicano”, Ganji defende que a República Islâmica não pode ser reformada sem mudanças profundas e uma separação da religião da política.

Mas qual é a ideologia dos iranianos? A Gallup Poll, uma empresa de pesquisa de opinião americana, verificou que a grande maioria, independentemente da classe social, faixa etária ou género, apoia um sistema político democrático (93%, em entrevistas conduzidas a mais de 1000 pessoas). Em 2007, quando questionados sobre o quanto a Sharia deve influenciar a legislação, 14% afirmavam que deve ser a única fonte, 63% que deve ser uma das fontes; e 23% nenhuma das fontes. Mas, em relação ao papel dos líderes religiosos na elaboração das leis nacionais, 51% respondeu que deve ser nenhum, 26% respondeu limitado a aconselhar o governo e apenas 12% respondeu que o seu papel deve ser direto.

Embora o debate sobre democracia já tenha criado um movimento social, o Movimento Verde, parte do seu falhanço deveu-se ao seu discurso popular e a não ter uma ideologia definida, demonstrando que democracia religiosa ou secular é ainda um debate sem conclusão.

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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