Karl Popper e o Irão - em Londres

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Karl Popper tornou-se um "critério" no Irão: um critério para distinguir os que são a favor ou contra a liberdade

Num auditório apinhado e sob fortes medidas de segurança, realizou-se na passada quinta-feira em Londres a Palestra Memorial Karl Popper. O orador foi desta vez Abdulkarim Soroush, um filosofo iraniano no exílio e muçulmano praticante. O evento foi muito instrutivo, a mais do que um título.

Abdulkarim Soroush explicou que Karl Popper é um dos filósofos mais lidos e respeitados no Irão. As suas obras principais foram sendo traduzidas na década de 1980/90 e estão ainda hoje disponíveis. Mas isto não teria chegado para tornar Karl Popper um best-seller no Irão, explicou Soroush.

Realmente decisivos foram os ataques contra Popper desencadeados por uma vasta aliança entre marxistas, fundamentalistas islâmicos no poder e universitários defensores da filosofia europeia continental. Esta inesperada aliança contra Popper tornou as suas obras imensamente populares entre os iranianos educados que aspiram à liberdade.

Soroush enumerou em seguida cinco aspectos da filosofia popperiana que irritam particularmente aquela coligação.

Em primeiro lugar, o utilitarismo negativo de Popper: o nosso dever não é promover a felicidade dos outros - o que implicaria termos de interferir nas suas escalas de valores - mas sim impedir o sofrimento humano evitável.

Esta modéstia tem consequências políticas importantes. Popper pregou o cepticismo contra os políticos que prometem o paraíso na terra e que dizem querer alcançar a felicidade de todos. São, na melhor das hipóteses, charlatães; na pior, ditadores fanáticos. Devemos desconfiar de todas as promessas utópicas e defender apenas reformas graduais, susceptíveis de teste e correcção experimental.

Isto conduz-nos a um terceiro argumento popperiano, que Soroush considerou crucial: quando chove, usamos um chapéu de chuva para nos protegermos, não tentamos mudar o mundo e as leis da física. O mesmo deve suceder em política. Devemos recusar as revoluções redentoras - marxistas, islâmicas ou simplesmente napoleónicas - e devemos ser a favor de melhorias parciais, visando objectivos parciais, concretos e bem definidos. Através do ensaio e do erro testaremos quais são as melhores propostas, e aprenderemos com a experiência. Desconfiaremos de todos os grandes planos napoleónicos e de todos os profetas oraculares que fingem conhecer o futuro.

Isto leva-nos a definir as regras de abertura à crítica, de liberdade de crítica, como regras indispensáveis para detectar os nossos erros e aprender com eles. Ser autorizado a criticar e refutar teorias é condição do progresso do nosso conhecimento. Pela mesma razão, sermos capazes de demitir governos através de eleições livres é muito mais importante do que sermos autorizados a eleger um governo. O verdadeiro teste de uma democracia reside em saber se os eleitores são autorizados a despedir um governo, mais do que saber se são autorizados a elegê-lo.

Finalmente, o quinto argumento popperiano que enfurece os fundamentalistas de todos os quadrantes - sejam eles marxistas, islamitas ou simplesmente napoleónicos - reside na definição de democracia. Popper defendeu que esta não reside no poder popular, ou da maioria, mas sim no poder limitado pela lei, designadamente através de freios e contrapesos, independência do judiciário e liberdade de expressão.

Estes cinco argumentos de Popper foram alvo de crítica severa por parte da coligação fundamentalista, explicou Abdulkarim Soroush. Em contrapartida, os mesmos cinco argumentos tornaram-se extremamente populares entre as classes médias educadas que aspiram à liberdade. Pode mesmo dizer- -se, acrescentou Soroush, que Karl Popper se tornou um "critério" no Irão: um critério para distinguir os que são a favor ou contra a liberdade. E o facto de Popper ser tão popular entre a opinião pública educada permite algum optimismo esperançoso quanto ao futuro da liberdade no país.

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