Uma luta entre a parte islâmica e a parte republicana

A Talvez o aspecto mais frustrante dos comentários feitos no Ocidente sobre a crise iraniana seja a excessiva simplificação e a falta de perspectiva histórica. As perspectivas são dominadas por um único assunto (se o Irão quer ter armas nucleares) e por uma distinção simplista entre os "bons" (os democratas liberais) e os "maus" (os autoritários religiosos). A realidade é bem mais complicada. Parte do problema é uma compreensão truncada da história. Para a maioria dos ocidentais, a história das relações atribuladas com o Irão inicia-se em 1979, com o regresso do exílio do ayatollah Khomeini, para liderar a revolução que afastou o Xá Reza Pahlavi, cujo regime era apoiado pelo Ocidente. A ansiedade ocidental tomou forma com os 444 dias da crise dos reféns da embaixada americana em Teerão, que ajudou a destruir a presidência de Jimmy Carter, e humilhou os Estados Unidos.
Mas para muitos iranianos as relações difíceis com o Ocidente começaram no golpe apoiado pela CIA contra o primeiro-ministro Mohammed Mossadegh em 1953. Este foi um ponto de viragem na história iraniana: um primeiro-ministro reformador e popular, que acreditava que o Irão devia controlar o seu petróleo, foi afastado por espiões ocidentais. O regime pahlavista, que substituiu Mossadegh, tentou modernizar, mas era absolutista e corrupto. A polícia secreta do Xá, a SAVAK, perseguiu e matou sem piedade os opositores.
Acontecimentos posteriores aprofundaram as suspeitas. Quando o Presidente iraquiano Saddam Hussein lançou um ataque aéreo a Teerão em 1980, iniciando uma brutal guerra que pretendia explorar as fraquezas internas da República Islâmica, as potências ocidentais olharam para o lado. Quando o exército iraniano e os voluntários dos Guardas Revolucionários e da milícia Bassiji obrigaram os iraquianos a recuar até à fronteira e ameaçaram tomar Bassorá, a segunda maior cidade iraquiana, Saddam usou armas químicas. O Ocidente não fez nada. O Irão também cometeu atrocidades, mas quando os líderes ocidentais condenam o alegado desejo do país de se dotar de "armas de destruição maciça" dão provas de uma enorme falta de perspectiva.
Outro erro ocidental é retratar a actual crise como um confronto entre forças reformistas democráticas e conservadoras islamistas. Para compreender o que se está a passar, é necessário recuar a 1979. Khomeini era o maior crítico dele, mas o Xá foi derrubado por uma constelação de forças. Não é verdade que o Irão tenha escolhido o "islamismo". Havia liberais, socialistas e democratas na revolução. Nesta mistura, Khomeini injectou a teoria, muito pouco ortodoxa, de velayat-e faqih - "governo do jurista".
O que emergiu foi uma curiosa estrutura híbrida. O nome oficial do país é República Islâmica do Irão; comentadores ocidentais tendem a concentrar-se no "Islâmica" e esquecer a "República". A nova República Islâmica foi dotada de instituições republicanas (Constituição, Parlamento, tribunais judiciais e eleições), sob a supervisão de um Supremo Líder, para garantir a conformidade islâmica. Mas os elementos mais radicais rapidamente chegaram às posições de poder, eliminando opositores reais e potenciais. As exigências da guerra radicalizaram ainda mais o regime, que procurava esmagar o "inimigo interno".
O que saiu daqui foi um sistema altamente "guiado" (chamar-lhe democrático seria exagero) no qual instituições associadas ao velayat-e faqih dominam. O sistema manteve-se estável algum tempo. O estado de emergência durante a guerra (1980-1988) e o prestígio de Khomeini permitiram uma certa coesão. No entanto, à medida que as memórias da guerra e da revolução se desvaneciam, o regime foi tendo cada vez mais dificuldade em ajustar-se a condições "normais". Os poderes do velayat-e faqih tiveram de ser invocados, mais frequentemente e com menos subtileza, para garantir que as instituições republicanas fizessem escolhas aceitáveis. O velayat-e faqih permite seleccionar candidatos a presidente e ao Parlamento, para garantir que o povo só vota nos "certos".
Agora, o regime é acusado de falsificar uma eleição para assegurar a vitória do candidato preferido do Supremo Líder. O que se trava nas ruas e nos bastidores é uma luta sobre como reconciliar as partes islâmica e republicana. Deve o povo ser livre de escolher os seus líderes - mesmo que escolha aqueles cuja visão dos princípios islâmicos é incompatível com a do Supremo Líder?

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