Uma nova vida para as secretas

Encerrado o capítulo de Pereira Gomes, deixemos Timor em paz. É tempo de Costa e Passos falarem das secretas — e para as dignificarem.

O embaixador já não vai ser espião - menos mal. Nada disto é pessoal, é tão só uma questão de bom-senso: se não era uma decisão fácil abrir o baú dos Negócios Estrangeiros e desenterrar a história de uma vitória diplomática, também não fazia sentido as secretas portuguesas serem lideradas por alguém que ficaria sob suspeita. 

Mais até: aquela cadeira e aquelas funções são de tal maneira sensíveis que, para alguém se sentar nela, devia haver mais - bastante mais - do que uma mera audição parlamentar prévia ao empossamento. O mínimo era ter o apoio de dois terços do Parlamento. Imagine o que seria ter Pereira Gomes nas secretas com o singular apoio de meio PS.

Encerrado o capítulo, era bom que aproveitássemos para falar das secretas. Era uma bela oportunidade, não apenas porque a escolha do seu líder vai ter que voltar ao princípio, mas porque os tempos desafiam a segurança do Ocidente e chegou a hora de olharmos para elas como essenciais a um verdadeiro Estado de Direito.

Sendo justo, António Costa e Passos Coelho já deram os primeiros passos. Desta vez, por excepção, os dois conseguiram conversar sobre quem deve estar no topo da estrutura. E, antes, PS e PSD até negociaram um projecto sobre o acesso delas aos chamados “metadados”, uma possibilidade que na Europa praticamente só está vedada aos nossos serviços de informação.

Aproveitando as conversas que se vão reabrir, Costa e Passos podiam acertar mais dois pontos. O primeiro é o Conselho de Fiscalização - porque ontem o PS chumbou o nome de Teresa Morais, sem uma explicação válida que não passasse pelo facto de esta ser dirigente do PSD; e porque ninguém sabe se fiscaliza alguma coisa. O segundo é da própria estrutura dos nossos serviços de informação, que há anos, muitos anos, sabemos estar desactualizado, até descredibilizado e seguramente sem os meios adequados para tão importante missão.

Sim, nós sabemos que o tema é sensível e que ninguém até agora conseguiu sair do trauma que temos com as nossas secretas (raio da PIDE, até isto nos fez). Mas tendo em conta o que tem acontecido Europa fora, tendo em conta que a Europa finalmente despertou para a necessidade de discutir a sua própria segurança, talvez fosse a altura de também falarmos disto cá dentro - e depois ver, em sequência, quem é que, de entre nós, tem o perfil para se sentar naquela cadeira para nos defender.

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