Draghi já não tem medo da deflação, mas mantém estímulos à economia

Banco Central Europeu deixa de falar em cenário de descida das taxas de juro. Será este um sinal de que se prepara para recuar na política expansionista? Draghi garante que ainda é cedo.

Foto
Mario Draghi falou esta quinta-feira em Talin, na Estónia Reuters/INTS KALNINS

Apesar de terem revisto em baixa as suas previsões para a inflação, os responsáveis do Banco Central Europeu mostraram esta quinta-feira estar agora mais confiantes em relação à força da retoma económica na zona euro, declararam que o risco de entrada em deflação desapareceu e deixaram de antecipar a possibilidade de uma nova descida das taxas de juro no futuro próximo. São vários os sinais de uma inversão de rumo no BCE, mas Mario Draghi garante que, para já, ainda não estamos a assistir ao princípio do fim da política expansionista na zona euro.

Quarenta e cinco minutos antes do presidente do BCE começar a falar – em Talin, na Estónia, onde decorreu a reunião do conselho de governadores – o comunicado do BCE já dava conta do tipo de mudanças que saía do encontro. O texto, para além de anunciar a manutenção das taxas e do programa de compra de activos, continha uma mudança, face a anteriores comunicados, na expressão em que se dizia que o Conselho de Governadores espera que as taxas de juro chave do BCE "se mantenham aos níveis actuais ou mais baixos por um longo período de tempo". Agora, aquilo que é dito é ligeiramente diferente, tendo sido retirada a expressão "ou mais baixos".

Isto significa que a autoridade monetária deixou de contemplar um cenário em que venha a colocar a sua taxa de juro a níveis negativos ou a taxa de depósito a níveis ainda mais baixos.

Assim que começou a falar, Mario Draghi acrescentou mais uma mudança no discurso do BCE: passou a dizer que os riscos para o crescimento da economia estão “geralmente equilibrados”, em vez de dizer que existem riscos de descida. E revelou que os serviços do BCE prevêem agora um ritmo de crescimento ligeiramente mais alto para a economia da zona euro para este ano e os próximos. Em 2017, o PIB terá uma variação de 1,9% em vez dos 1,8% previstos em Março, enquanto que em 2018 e 2019 se aponta para 1,8% e 1,7% em vez de 1,7% e 1,6% respectivamente.

Será que todos estes sinais de maior confiança no desempenho da economia significam que o BCE se prepara já para seguir as recomendações dos seus membros mais assustados com o risco de sobreaquecimento e irá começar a retirar as suas medidas de estímulo à economia? A pergunta foi feita por vários dos jornalistas presentes na conferência de imprensa e Mario Draghi fez um esforço para convencê-los que não.

O presidente do BCE explicou que a razão por trás do desaparecimento da referência a uma possibilidade de descida dos juros se deve essencialmente ao facto de “o risco de deflação ter desaparecido”. Isso não significa que o banco central considere que, pelo contrário, estamos perante o risco de a inflação acelerar.

Aliás, no que diz respeito à inflação – que o BCE está mandatado para colocar num valor “abaixo mas próximo de 2%” no médio prazo – a revisão das previsões foi feita ligeiramente em baixa, apontando-se para 1,5% em 2017 (em vez de 1,7%), 1,3% em 2018 (contra 1,6%) e 1,6% em 2019 (contra 1,7%). Isto é, em Frankfurt continua-se sem se conseguir ver no horizonte de três anos a inflação a atingir integralmente a meta que é pretendida. “É preciso ter paciência”, afirmou Draghi, que destacou a continuação da disponibilidade do banco central para, caso seja necessário, reforçar em dimensão e em duração o seu programa de compra de activos (principalmente dívida pública), que neste momento é de 60 mil milhões de euros por mês até pelo menos ao final do ano.

Tem sido bastante evidente a existência dentro do próprio BCE de uma discussão entre aqueles que consideram que é tempo de começar a dar sinais de inversão na política monetária expansionista antes que a inflação dispare e os que defendem que é melhor esperar mais tempo, já que não existem ainda sinais de uma aceleração consistente dos preços.

Questionado sobre a forma como se desenrolou esse debate no que diz respeito à decisão de deixar de antecipar uma descida de juros, Mario Draghi afirmou não poder falar de unanimidade pelo facto de não ter sido realizada uma votação. “Mas não ouvi qualquer voz dissonante”, disse.

Já em relação à possibilidade de se ter começado nesta reunião um debate sobre a forma como se irá retirar as medidas de estímulo e proceder à normalização da política monetária, o presidente do banco central disse que tal não aconteceu, reconhecendo somente que “dois membros do conselho fizeram observações sobre o assunto”.

Sugerir correcção
Comentar