Conselho de Estado: Realpolitik deverá vingar sobre "Brexit" e Trump

Reunião com a presença do "senhor OMC" acabou com algum optimismo sobre as consequências dos proteccionismos inglês e norte-americano.

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Foi uma reunião atípica do Conselho de Estado, com a presença do senhor OMC LUSA/MÁRIO CRUZ

A ideia de que a realpolitik – ou melhor, a economia real - acabará por impor-se sobre os discursos proteccionistas do Reino Unido e da nova administração norte-americana ajudou a esvaziar o balão de pessimismo que levara o Presidente da República a convidar o director-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevêdo, para esta reunião do Conselho de Estado.

Ao fim de duas horas e meia a ouvir Roberto Azevêdo e a trocar ideias sobre como pode evoluir a situação mundial no actual contexto, algumas nuvens dissiparam-se na cabeça dos conselheiros de Marcelo Rebelo de Sousa. A convicção que ficou para alguns dos presentes foi a de que haverá bom senso no pós-"Brexit" para não questionar nem o comércio europeu nem o comércio mundial. E que, do outro lado do Atlântico, Trump terá de engolir muito do que foi a sua campanha eleitoral, forçado pelos seus maiores apoiantes - os grandes grupos económicos - que não estão dispostos a perder dinheiro com aventuras proteccionistas.

Foi o próprio "senhor OMC" quem disse aos jornalistas, no final da reunião, que era demasiado “precipitado” dizer que os Estados Unidos vão adoptar uma política comercial proteccionista. “É necessário ver como as mensagens que foram ditas e são expressas na imprensa vão traduzir-se em termos de política comercial”, disse. Até porque, lembra, o representante comercial da administração norte-americana ainda não foi confirmado: “Precisamos ter a equipa comercial estabelecida e a promover uma política concreta. Até lá é difícil fazer comentários”.

Dentro de portas, no entanto, todos os presentes na reunião puderam expressar a sua perplexidade face ao discurso de Donald Trump. Mas também ouvir dos que estão mais informados a convicção de as políticas anunciadas na campanha eleitoral não são, simplesmente, sustentáveis, pois as consequências para os próprios americanos, sobretudo para os grandes grupos económicos mundializados, seriam muito piores do que os aparentes benefícios. E que, portanto, o próprio sistema económico-financeiro acabará por tornar inexequíveis as políticas mais radicais anunciadas.

O discurso para fora, porém, mantém o tom prudente. Roberto Azevêdo, que falou aos jornalistas à saída da reunião – uma originalidade -, foi bastante vago, ao dizer que se tinha tratado de uma conversa estratégica de “alto nível”, “abrangente e horizontal”, em que não se falou só de comércio e economia. “Falámos de grandes tendências, onde estamos na economia mundial, para onde caminha o comércio mundial, as grandes tendências dentro dos países, as tensões sociais, movimentos políticos”, afirmou.

Roberto Azevêdo preferiu falar de outras preocupações: “Identificámos problemas como a realidade do mercado de trabalho do séc. XXI, com muitas incertezas e inseguranças, sobretudo para um trabalhador que não tem um nível educacional muito alto e tem o seu emprego ameaçado pelas inovações tecnológicas: o que fazer com essa força de trabalho, que políticas podem ser adoptadas em termos de qualificação profissional e de segurança social”, disse.

Certo é que não foram tratados problemas específicos de Portugal, o que fez com que esta reunião do Conselho de Estado tenha sido a mais breve das cinco que já se realizaram desde que Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse (duas horas e meia, quando as outras demoraram entre cinco e seis horas).

Esta foi também a reunião com menos conselheiros presentes, pois além do desaparecimento de Mário Soares, houve quatro ausências - o ex-Presidente Cavaco Silva, por motivos de saúde; Leonor Beleza, por estar a receber a Presidente do Chile; e os dois líderes dos governos regionais dos Açores e da Madeira, que estão a participar na cimeira das regiões ultraperiféricas, em Bruxelas. Além disso, o neurocientista António Damásio, designado pelo Presidente da República a 24 de Novembro para substituir António Guterres, continua sem tomar posse e sem se estrear numa reunião do Conselho de Estado.

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