Fisco ainda não tem “evidência” do que levou ao ‘apagão’ no caso dos offshores

Helena Borges dá explicações aos deputados sobre as falhas no processamento de declarações enviadas pelos bancos.

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Helena Borges (à esquerda na foto) foi ouvida na tarde desta terça-feira no Parlamento LUSA/MANUEL DE ALMEIDA

Duas semanas depois de vir a público que o fisco não fez o controlo inspectivo de um conjunto de transferências para offshores num valor próximo de 10.000 milhões de euros por falhas no processamento de algumas declarações recebidas pelos bancos, a actual directora-geral do fisco, Helena Borges, esteve a ser ouvida no Parlamento sobre o caso. Aos deputados, a responsável máxima da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) diz que não há ainda uma explicação interna que possa explicar o ‘apagão’.

“Não temos evidência nenhuma do que é que pode ter provocado esta anomalia”, afirmou Helena Borges, em resposta ao deputado do PSD António Amaro Leitão, sublinhando que é preciso esperar pelos resultados da auditoria em curso da Inspecção-Geral de Finanças (IGF). “Não temos explicação” para o crescendo de declarações que não foram correctamente transmitidas para o sistema central da AT de 2013 para 2014. “Há aqui um padrão que não temos explicação”, referiu.

Vinte declarações comunicadas ao fisco pelos bancos, relativas a transferências realizadas de 2011 a 2014, não foram correctamente processadas informaticamente no sistema central do fisco. Parte da informação dessas declarações não terá chegado ao sistema de controlo para poderem ser tratadas pela área da inspecção tributária.

Questionada pelo deputado social-democrata se a AT tem evidência de que houve intervenção humana que possa ter ditado o não tratamento da informação, Helena Borges disse não ter qualquer indicação de que isso aconteceu. “Nesta altura não temos nenhuma evidência”. “A montante e a jusante dos automatismos” nada se pode excluir, disse, mas frisando mais uma vez que não tem essa evidência e que o mecanismo de processamento dos dados recebidos pelos bancos (os ficheiros correspondentes às declarações Modelo 38) foi concebido para funcionar sem intervenção humana.

Helena Borges afirmou ainda que o software actualizado que em 2016 detectou os erros nas declarações de 2011, 2012, 2013 e 2014 não foi ainda corrido nas declarações relativas às transferências de 2010, algo que disse poder ainda acontecer. “Também para nós nos interessa” conhecer as conclusões da IGF para “consolidarmos a avaliação que tivermos” de fazer sobre o problema, afirmou.

Embora a informação tenha sido enviada pelas instituições, os dados ficaram por tratar já dentro do fisco, e por isso também não apareceram nas estatísticas que, pela primeira vez em 2016, vieram a ser publicadas sobre fundos enviados para offshores durante aqueles quatro anos.

Com os dados recebidos pelos bancos “só lida a área dos Sistemas de Informação”, que tem vários departamentos, afirmou Helena Borges. Esta área esteve sem subdirector-geral de 30 de Junho de 2014, quando a então subdirectora-geral responsável por esta pasta, Ana Morais, se aposentou, e 7 de Março de 2016, quando foi nomeado o actual responsável pela informática, Mário Campos. Durante esse período, o lugar este vago, ficando esta área a ser coordenado de forma informal por Graciosa Delgado.

Confrontada pelo deputado do PS Fernando Anastácio se há uma concentração de transferências ocultas para um determinado paraíso fiscal, Helena Borges não quis desenvolver o tema. “Não creio que a importância para nós seja [fazer esse tipo de leitura]”. Apenas referiu que há uma concentração das transferências omissas em “empresas não residentes – e isso talvez seja um elemento relevante”. “Haverá outras leituras mas este é um aspecto que me parece relevante”.

Essa concentração das transferências em entidades não residentes em Portugal levou, mais tarde, o deputado do PS Eurico Brilhante Dias a especular sobre o que esse facto lhe suscitou: que havia entidades do universo Espírito Santo com sede no Luxemburgo. “É uma presunção…”, afirmou o deputado, mas esclarecendo que não tem nenhuma informação que o confirme. E especificou que apenas três declarações valem “quase 80% do valor” das transferências omissas (uma das quais é uma declaração de substituição relativa a transferências de 2012, comunicada ao fisco em Junho de 2016).

Se há uma concentração em determinadas instituições financeiras, Helena Borges também não explicitou, tal como fizera o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade. “Essa informação será oportunamente avaliada no âmbito do relatório da IGF”, afirmou. “Estou naturalmente mais preocupada em perceber o que é que [levou à retenção temporária da informação]”, contrapôs a directora-geral.

Helena Borges já tinha respondido – “Não, não recebi” – quando foi questionada pelo deputado António Leitão Amaro se recebera alguma orientação política para que a AT parasse o tratamento e a fiscalização das transferências para offshores. E à pergunta da deputada do CDS Cecília Meireles sobre se o ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, interferiu politicamente “por acção ou por omissão” para que a fiscalização não fosse feita, Helena Borges voltou a responder que não. “A mim nunca me foi passada nenhuma informação; foi um assunto não abordado”. E a AT, frisou, “tem sempre de abordar o tema” das transferências para offshores “e não deixará de fazer o seu trabalho”.

Aos deputados, Helena Borges fez chegar um documento do gabinete do actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, com informação sobre as 20 declarações que estavam omissas, com as datas em que foram submetidas à AT.

A presença de Borges na Assembleia da República segue-se às audições de Paulo Núncio, do actual secretário de Estado que tem a tutela da Autoridade Tributária e Aduaneira, Fernando Rocha Andrade, e dos ex-directores-gerais José Azevedo Pereira (de Setembro de 2007 a Julho de 2014) e de António Brigas Afonso (de Julho de 2014 a Março de 2015).

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