Ministério admite que Domingues fez lei para abrir excepção para a CGD

O CDS acusou o ministro das Finanças de mentir à comissão de inquérito, e o ministério responde ?com a acusação de que o PSD e o CDS estão a fazer “uma vil tentativa de assassinato de carácter”

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CDS insiste que Centeno mentiu aos deputados e que, se não se retractar, pode sofrer consequências penais Enric Vives-Rubio

O caso em torno das condições oferecidas a António Domingues para este aceitar ser líder da Caixa Geral de Depósitos (CGD) não pára de ganhar novas ramificações. Esta quinta-feira, o Ministério das Finanças confirmou que foi António Domingues a preparar a legislação que iria concretizar a excepção para si e para os restantes administradores da CGD, depois de a notícia do PÚBLICO dar conta da negociação, ponto por ponto, com os advogados do homem que seria o futuro líder do banco público. A admissão foi feita numa resposta enviada às redacções sobre outro assunto: o CDS tinha acusado o ministro Mário Centeno de mentir à comissão de inquérito e o gabinete do ministro defende-se.

Na resposta, o gabinete do ministro explica parte do processo que culminou com o decreto-lei que retirava os gestores da CGD do Estatuto do Gestor Público (EGP). Explica o ministério que “o convite dirigido ao Dr. António Domingues estava baseado na determinação do Governo de implementar um projecto de gestão profissional da CGD, que envolvia o afastamento do EGP, nos moldes em que veio a ser concretizado, para que os seus administradores se encontrassem em condições de igualdade com os seus concorrentes no mercado”.

Mais à frente, admite que o executivo seguiu a vontade dos advogados de Domingues no que toca à legislação feita de propósito para a CGD. “Resultam, sim, de uma iniciativa do próprio Governo que o [António Domingues] incumbiu de preparar as referidas alterações, no âmbito da estratégia de reestruturação e recapitalização da CGD.”

Ora, estas alterações à lei permitiriam, de acordo com as intenções e convicções da altura, isentar os novos gestores de entregarem declarações ao Tribunal Constitucional. Mas acabou por ser revogada.

O ministério não refere o compromisso que terá assumido e viu o Presidente da República dizer que, tanto quanto sabe, o Governo, incluindo Centeno, defendia que os administradores da CGD deviam entregar as declarações ao TC. “Ou há um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças em que ele defende uma posição diferente da posição do primeiro-ministro ou não há. Se não há, é porque ele tinha a mesma posição do primeiro-ministro, para mim é evidente”, disse Marcelo Rebelo de Sousa numa defesa do ministro.

Esta quinta-feira foi, aliás, mais um dia difícil para Centeno. De Bruxelas chegou mesmo um pedido de demissão, formulado pelo eurodeputado Paulo Rangel, que disse ao PÚBLICO haver uma “fragilização do Ministério das Finanças perante os seus pares a nível europeu” e que o ministro não tem outra alternativa senão demitir-se.

A “quebra da verdade”

O CDS não quis deixar arrefecer a polémica e convocou esta quinta-feira os jornalistas para apresentar provas daquilo que considera ser uma “mentira” de Centeno à comissão parlamentar de inquérito (CPI) que poderia até, se não houver retractação, ter “consequências penais” além das “consequências políticas”, disse o deputado João Almeida. Em causa estava a resposta à CPI, de Janeiro, em que o ministério diz que “inexistem” comunicações como as pedidas pelos deputados. “Estes documentos existem e a comissão já os conhece. Relativamente à quebra de verdade, ela é inequívoca”, afirmou.

Na volta do correio, o gabinete Centeno fez saber que o CDS tentou fazer uma “vil tentativa de assassinato do carácter do ministro das Finanças” e que “repudia com veemência a insultuosa e torpe estratégia do PSD e CDS de tentarem enlamear a sua honorabilidade e trabalho”.

Na justificação, o ministério usa três argumentos. Em primeiro lugar, diz que só enviou documentação “produzida pelo ministério” e que informou a CPI de que existia um email de 14 de Abril em que António Domingues “propõe o enquadramento no qual considera dever realizar-se a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e actuar a respectiva Administração” — mas ressalva que este “não integrava uma troca de comunicações, uma vez que nunca teve resposta”; como segundo argumento, o ministério diz que os emails com “apreciações técnicas ao EGP não se ajustam ao objecto do pedido, uma vez que não correspondem a condições formuladas pelo Dr. António Domingues para aceitação do convite”.

E, por fim, diz que foram excluídas “comunicações posteriores à entrada em funções” da administração de Domingues, por “não ser possível dizerem respeito a ‘condições de aceitação’”, que já ocorrera. Uma interpretação diferente da do antigo líder da CGD que enviou à CPI pelo menos um email relativo ao período em que esteve à frente do banco público.

O passo seguinte será debatido na CPI, sendo certo que uma queixa contra o ministro dependerá da iniciativa do CDS. Se os centristas continuarem a considerar que o ministro prestou falsas declarações, poderão fazer uma queixa ao Ministério Público. Se o quiserem fazer por via da própria CPI, terão um caminho mais difícil.

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