A cura pode matar?

Tudo indica que o Estado italiano não irá deixar que a União Bancária e as instituições europeias façam o que bem entendam com a banca italiana, expropriando-a e vendendo-a a interesses estrangeiros.

O BCE impôs ao Monte dei Paschi o prazo de 31 de Dezembro de 2016 para realizar um aumento de capital de 5 mil milhões de euros. O banco procura obter esse capital junto de investidores privados. Se não conseguir, como parece provável, o governo italiano intervirá realizando, na prática, uma injecção indirecta de capital público, de uma forma que aparentemente contorna as regras da União Bancária, dando a Comissão Europeia a entender que essa intervenção não seria considerada ajuda de Estado. O Estado italiano prepara, aliás, um pacote de 20 mil milhões de euros de resgate à banca italiana.

Os últimos dias de Dezembro passaram a ser dias perigosos. Porque quase parece que as autoridades europeias, no passado recente, aproveitaram a atenção das pessoas com as festividades de Natal, para operar grandes intervenções na banca. Este ano a atmosfera no ar é similar, sobretudo neste caso do Monte dei Paschi di Sienna.  Este activismo das autoridades europeias incomoda porque é realizado de forma pouco transparente, sob a capa da necessidade de evitar pânico e corrida a bancos.

No prospecto de venda de acções para o referido aumento de capital, o Monte dei Paschi está obrigado, por lei, a informar sobre os principais riscos para o seu negócio como, aliás, ocorreu no malfadado aumento de capital do BES de Junho de 2014.

Um dos riscos que o banco refere está relacionado com um requisito de liquidez introduzido nos acordos de Basileia III relevante para os testes de stress do BCE e da Autoridade Bancária Europeia. Especificamente, segundo o Financial Times, nesse prospecto o Monte dei Paschi informa que, se ocorresse uma saída de depósitos de 10,4 mil milhões de euros ao longo de um mês, o banco só seria capaz de cumprir as suas obrigações de liquidez, para além desse prazo, se recorresse a outros instrumentos. Por exemplo, operações de cedência de liquidez não regulares do Eurosistema. Mas isso significa que o banco não cumpriria as suas obrigações regulatórias em relação a esse critério de liquidez.

Ou seja, a banca está obrigada a informar sobre o que prevê possa acontecer no futuro se o seu negócio correr muito mal (i.e., se ocorrer uma enorme fuga de depósitos). E se essa previsão sobre o que pode ocorrer no futuro for suficientemente má (falta de liquidez), o futuro ocorre hoje, de imediato, ou porque as autoridades intervêm ou porque o pânico se instala e aquilo que era um cenário sobre o futuro torna-se realidade porque os agentes acreditam que o cenário sobre o futuro vai mesmo ocorrer.

Parece, novamente, um filme de ficção científica com Tom Cruise (Minority Report). Com efeito, o requisito de liquidez acima referido afigura-se ser um mau instrumento de política regulatória bancária, porque não é possível prever o futuro com certeza e sobretudo porque é uma perversão do Estado de Direito Democrático, condenar no presente pessoas e empresas por “crimes” que ainda não ocorreram (o banco não ter liquidez no futuro para satisfazer as suas obrigações).

É de acompanhar com atenção o que ocorre ao Monte dei Paschi di Sienna. Porque tudo indica que o Estado italiano não irá deixar que a União Bancária e as instituições europeias façam o que bem entendam com a banca italiana, expropriando-a e vendendo-a a interesses estrangeiros.

P.S.- O Financial Times informou ontem à tarde, já após a escrita deste texto, que o aumento de capital privado do Monte dei Paschi falhou, pelo que o Estado Italiano irá intervir, nacionalizando o banco, com previa acima.

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