A ilusão de uma ilha

“Estamos em Portugal numa ilha de estabilidade. Quando olhamos para o que acontece no mundo, seja nos EUA ou na União Europeia (UE), onde a incerteza política é grande, olhamos para Portugal como um espaço de estabilidade.” A frase é de Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, e foi dita no encerramento das Jornadas Parlamentares do PS, nas vésperas de o actual Governo comemorar um ano de vida.

De facto, contrariando o que há doze meses parecia impossível, o Governo PS com o apoio parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) e do PCP não só tem conseguido sobreviver, como também promete durar mais — muito mais —do que a grande maioria dos portugueses acreditaria. As tensões entre os parceiros, reais ou imaginárias, revelaram-se sobretudo um álibi político e uma forma de salvar a face dos companheiros de estrada do Governo PS perante os respectivos eleitorados — especialmente as suas franjas mais radicais.

Com a estonteante habilidade que lhe é justamente reconhecida, António Costa desafiou a quadratura do círculo, ao tornar a inédita aliança dos partidos de esquerda — apesar das rivalidades entre o PCP e o BE — uma solução de governo aparentemente estável e até uma pequena revolução no nosso regime democrático. Ultrapassou-se a fatalidade do “centrão”, provocando ressentimentos e crispações entre uma direita manifestamente mal preparada para digerir a contrariedade de não ter obtido a maioria absoluta e de ser empurrada para a oposição por uma inesperada convergência parlamentar maioritária.

Significativamente, as sondagens mais recentes — contando embora com o justificado cepticismo que afecta os inquéritos de opinião — registam uma subida notável das intenções de voto no PS e uma queda também assinalável da direita. Há aí, no entanto, um problema: os aliados do Governo não beneficiam da ascensão socialista e são também atingidos pela estagnação ou pelo recuo nos níveis de popularidade. Ei-los, assim, perante um dilema de difícil solução: reagirem contra a hipótese de ser devorados por um PS cada vez mais popular — suscitando a queda do Governo —, mas, ao mesmo tempo, correrem o risco de um castigo eleitoral e favorecerem a maioria absoluta que parece ao alcance do seu aliado. BE e PCP parecem hoje prisioneiros na rede dessa aliança.

Curiosamente, ou talvez não, a questão mais problemática do executivo de Costa acabou por ser o inexplicável amadorismo com que foi conduzido o dossier da Caixa Geral de Depósitos. Uma questão decisiva, a da recapitalização do banco público, ficou enredada noutra questão — à partida insignificante, ainda que política e eticamente relevante: a apresentação da declaração de rendimentos dos novos administradores ao Tribunal Constitucional. O desfecho do caso menor ameaça influenciar, em larga medida, o do caso maior.

Mas a “ilha de estabilidade” portuguesa confronta-se, sobretudo, com a ilusão de vivermos num mundo fechado às contingências externas, quando estas se acentuam cada vez mais no plano global — e, em particular, europeu. Até quando poderá Portugal contar com a “compreensão” da UE para os nossos problemas orçamentais e a insustentável dívida que nunca conseguiremos pagar nas actuais condições? Ou até que ponto Angela Merkel, a única líder europeia com dimensão para enfrentar o choque do isolacionismo americano, será capaz de responder aos desafios que o desconcerto da Europa e o Diktat financeiro germânico provocaram na coesão e solidariedade da UE? Não, não vivemos numa ilha. 

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