Bye Bye UK

O sistema político e económico global está podre mas a informação e o conhecimento estão a colocar em crise o statu quo.

Durante anos resisti à tentação de escrever opiniões e mais ainda de as tornar públicas. Até hoje.

Começo com uma tripla afirmação de princípio: sou europeísta convicto, anglófono convicto e liberal convicto. Significa isto que considero que a única forma de gerir eficientemente e sustentadamente os recursos escassos é através do mercado, com uma intervenção estatal mínima, reduzida a uma regulamentação também mínima, mas “musculada”. Significa também que sou acérrimo defensor da globalização e integração económica com uma supervisão supranacional, mais uma vez, “musculada”. Significa que considero acima de tudo, o interesse global do planeta, desprezando os mesquinhos interesses nacionais ou corporativos, significa ainda que prezo, acima de tudo, a liberdade, individual e colectiva, responsável.

Metade dos britânicos votaram e decidiram que o seu país deveria sair da União. Concorde-se ou não com as razões que os levaram a isso, a verdade é que as regras de jogo em democracia obrigam a respeitar a decisão. Mesmo que isso comporte uma flagrante injustiça para os restantes, quando, como parece ser no caso concreto, isso implica uma enorme fragmentação geracional e geográfica.

O mesmo respeito pelas regras democráticas levará, em boa lógica, a uma possível destruição do Reino Unido. Se metade mais um dos eleitores escoceses, irlandeses do norte, galeses ou gibraltinos entender que o seu país ou região deve sair do Reino Unido, não haverá mais o que fazer senão aceitá-lo. Este cenário começou já a desenhar-se na véspera do referendo e confirma-se, em termos de tendência, pelas reacções, ainda que a quente, já apresentadas por responsáveis regionais.

Mas a fractura que o Reino Unido enfrenta vai para além da sua própria desagregação. A própria Inglaterra enfrenta este mesmo problema. A fractura entre Londres e o restante território, a fractura e a revolta da geração mais jovem contra a geração mais velha, levarão certamente a sérios conflitos internos que poderão com certeza agravar as condições de vida de toda a população britânica, dando início a uma espiral recessiva.

Sucede que assistimos, em todo este cenário, a um facto absurdo: contra a União congregam-se, em simultâneo, as ideologias dos extremos, à direita e à esquerda, um e outro aliados de circunstância na defesa dos ideais nacionalistas ou tribais, no Reino Unido e nos restantes estados membros. Partidos de extrema-direita em França felicitam-se com o “Brexit” nos mesmos termos que o Partido Comunista português ou a CGTP e o mesmo repete-se, certamente por todo o mundo. Curioso não? E porquê? Porque a visão humanista e global inspiradora da integração é o maior inimigo dos nacionalismos, das ideologias, das religiões e bem assim de todas as inspirações, movimentos ou iniciativas que pretendem apropriar-se da generalidade em proveito próprio.

Não se conclua que com isto estou a defender o sistema político existente na União, nem sequer que com isto defendo o “capitalismo” actual, nem muito menos soluções totalitárias. A verdade é que, em termos gerais, o sistema político e económico global está podre e minado por “ismos” de todos os tipos, em beneficio de muito poucos e no prejuízo de muitos. Mas é também verdade que a informação e o conhecimento, que circulam e se disseminam a um ritmo cada vez mais alucinante, estão a colocar em crise o statu quo.

Defendi já, reiteradas vezes, que sendo a amputação a solução extrema para o problema da gangrena, o caminho a seguir é a destruição do sistema para posterior reconstrução. Ao nível micro é uma solução que me agrada em último recurso e quando a esperança de uma solução menos gravosa já desapareceu. A nível macro, infelizmente, isso significa um evento catastrófico ao nível da extinção em massa. Mas nem tudo são más notícias: extinguem-se espécies, mas salva-se o planeta.

E eis a primeira oportunidade de que se pode falar neste contexto. Num cenário catastrófico, o planeta agradece. Mas estamos ainda longe, espero, deste cenário. E na realidade o contexto actual contém um universo de oportunidades – aquilo que o Reino Unido entendeu rejeitar pode ser agarrado por outros, seja proporcionando condições para a transferência de empresas, negócios e emprego para outros locais (desejavelmente no continente europeu), seja procurando um realinhamento geoestratégico da velha Europa.

Com efeito, não podemos esquecer que a conjuntura nos Estados Unidos poderá não ser muito diferente dentro de muito pouco tempo. Não é difícil antecipar a probabilidade de uma aliança Farage/Trump ou similares, num qualquer cenário pré-apocalíptico e a formação de um bloco entre os restos mortais de Inglaterra e os Estado-Unidos, também eles numa situação interna no mínimo instável. A criação deste bloco Atlântico poderia levar a Europa a virar-se a Leste, ou a Federação Russa a virar-se para oeste, com a criação de um bloco Euro-asiático. E aqui temos já um conjunto de várias oportunidades: o aparecimento de dois novos blocos regionais e a probabilidade de um aumento extremamente significativo do mercado global de armamento, com o impacto correspondente na criação de riqueza.

Ao nível do sistema político surge também uma grande oportunidade global cujo rosto visível, neste momento, é a revolta da geração mais jovem no Reino Unido, bem visível no artigo de Rhiannon Lucy Cosslett no The Guardian de 24 de Junho. A democracia, como a conhecemos, é injusta e os cidadãos que ela exclui são, crescentemente, informados e instruídos. São cada vez mais e estão a chegar a um ponto de ruptura. E sem mecanismos totalitários de controlo vão, certamente, em prazo maior ou menor, provocar uma alteração do sistema. Que pode ser uma regeneração ou uma convulsão.

A um nível europeu, caso se consiga manter uma “espécie de União”, vão aparecer oportunidades locais. Espanha e Portugal poderão ser destinos de deslocalização “low cost” para serviços à distância – Espanha tem cidades fantasma suficientes para isso e Portugal tem competências linguísticas para isso. E se Espanha entender seguir a via da desintegração, no que será certamente acompanhada por outros estados-membros, pode muito bem acontecer que Portugal, no seio da União, venha a mudar de categoria passando a integrar o clube dos grandes ou, pelo menos, dos médios – desagregação espanhola e belga, saída da Polónia, entrada da Escócia, Catalunha e outros que tais.

Cinismo à parte, já comecei a verificar quais os melhores locais para viver em caso de apocalipse. Parece que o Chile é bom. O maior risco parece a possibilidade de terramotos consequência dos movimentos tectónicos.

Vice-reitor da Universidade Portucalense

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