Sinais de alívio no BCE com o impacto moderado do “Brexit” nos mercados
Economistas reunidos em Sintra alertam para o risco de um impacto negativo adicional na economia, quando os bancos centrais já têm poucos instrumentos para usar.
Foi apenas ao fim de dois dias de debate sobre política monetária que os participantes do Fórum do Banco Central Europeu começaram a discutir o tema que todos verdadeiramente tinham na cabeça. Altos dirigentes de bancos centrais e economistas reunidos na Penha Longa, em Sintra, deram a sua opinião sobre a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, com os responsáveis do BCE a mostrarem alívio pelos sinais de estabilização dos mercados, mas com muitos avisos a serem feitos sobre a dificuldade que bancos centrais e governos podem ter e responder a uma situação de crise.
Mesmo antes de se começar a falar do “Brexit”, este tema já tinha desempenhado um papel determinante no decorrer dos trabalhos do Fórum (um evento anual realizado desde 2014 pelo BCE em Sintra), já que conduziu à ausência inesperada das principais figuras do encontro: o governador do Banco de Inglaterra, Mark Carney, a presidente da Reserva Federal, Janet Yellen, e o presidente do BCE, Mario Draghi, que realizou apenas o discurso inicial.
Por isso, no painel final organizado de urgência para substituir estes líderes de alguns dos principais bancos centrais do mundo, coube a Vítor Constâncio, o vice-presidente, transmitir a posição do BCE sobre as implicações económicas e financeiras dos resultados do referendo britânico. E a ideia fundamental que transmitiu foi a de que, nos mercados, “as previsões ultrapessimistas que foram feitas inicialmente não se concretizaram”.
“O ‘Brexit’ não criou uma falha sistémica”, disse Vítor Constâncio, aproveitando para deixar uma crítica a um antigo presidente da Fed: “Alan Greenspan disse que poderíamos estar perante um novo Lehman Brothers [o banco cuja falência desencadeou a crise financeira internacional em 2008]. Bom, Greenspan estava errado”.
Apesar de reconhecer que não podia ainda “dizer com 100% de certeza” que um impacto mais negativo nos mercados poderia ainda acontecer, Constâncio não conseguiu disfarçar o alívio que os responsáveis do BCE têm perante uma reacção dos mercados que, apesar de quedas fortes iniciais, principalmente no sector bancário e na libra, não forçam o banco central a adoptar imediatamente medidas de emergência.
Até porque o BCE e os outros bancos centrais, como avisaram muitos dos economistas presentes, com as taxas de juro já em terreno negativo e com um volume considerável de medidas extraordinárias em vigor, já começam a estar limitados naquilo que podem fazer. E mesmo sem um colapso nos mercados, podem não ser capazes, sozinhos, de enfrentar mais um efeito negativo sobre a economia.
O economista norte-americano Alan Blinder foi um dos que deixou o aviso. “Os bancos centrais estão com pouco espaço de manobra, é preciso que seja feita mais alguma coisa a nível orçamental, apesar de isso me parecer improvável”, disse.
Na mesma linha, em declarações ao PÚBLICO à margem da conferência, Adair Turner, que já foi o presidente da entidade reguladora dos serviços financeiros no Reino Unido, defendeu que, embora sem um cenário tipo Lehman Brothers nos mercados, “o que vai acontecer é um crescimento mais lento tanto no Reino Unido como na Europa”, com o problema de isso acontecer quando “os bancos centrais em todo o mundo estão sem espaço para contrariar este cenário através da política monetária”.
Enquanto se espera pela clarificação do impacto total do Brexit na economia, o que parece neste momento muito provável é que, na próxima reunião do Conselho de governadores, o BCE opte por não tomar mais medidas do que aquelas que já estão em vigor. “Ainda temos instrumentos disponíveis para usar, mas também é verdade que já usámos muitos instrumentos”, disse Vítor Constâncio, aproveitando para convidar os governos a fazer mais. Depois de citar vários trabalhos académicos que defendem que a política orçamental resulta a dar um estímulo à economia, o vice-presidente do BCE lamentou-se: “parece que a política orçamental é proibida agora em vários países”.