Uma solução ali à frente

Perdida entre o mar de más notícias deste início de ano, porém, esteve a declaração dos líderes cipriotas (gregos e turcos) de que um acordo de reunificação da ilha pode ser alcançado em 2016.

A Europa, quando quer, faz coisas. O grande problema está naquilo que quer e na maneira como o decide. Um segundo problema, também grande, está naquilo que a Europa não sabe imaginar e, por isso, não consegue obter.

Sem grande eco em Portugal, a Comissão Europeia apresentou no Parlamento Europeu a sua proposta para a criação de uma Guarda Costeira e Fronteiriça Europeia, a partir da já existente agência Frontex. O plano envolve a contratação de um milhar de funcionários e o aumento do orçamento da dita agência, que é de quase 240 milhões de euros em 2016, em cerca de 30 milhões em 2017. Na audição parlamentar perante a LIBE (Comissão de Liberdades e Direitos Cívicos do PE) a Comissão pediu pressa na aprovação da proposta: os governos nacionais querem, o dinheiro aparece e a obra nasce.

Entretanto, na Síria, milhares continuam a fugir todos os dias da guerra. Os governos da União Europeia, que tinham à disposição um programa de reinstalação de refugiados legislado e financiado desde 2012, não o quiseram aproveitar — e agora têm centenas de milhar de refugiados às portas, nas piores condições possíveis para eles e para nós. A juventude síria, que se rebelou em nome da democracia e da liberdade, está a perder-se.

Pode não haver uma solução, mas há soluções. Esta crónica é sobre uma delas.

Em frente à província de Latakia, na Síria, cujos campos de refugiados foram fustigados por bombardeamentos russos no mês passado, está a União Europeia. Chipre fica a vinte minutos de avião. A cidade cipriota de Famagusta, que recebeu na II Guerra Mundial 50 mil refugiados judeus (tantos quantos os refugiados de Alepo bloqueados na fronteira turca), fica a menos distância do que Lisboa de Coimbra. E junto a Famagusta está o subúrbio turístico de Varosha, que foi em tempos um dos favoritos do jet-set, então com uma população de 40 mil habitantes. Nos seus abandonados prédios e hotéis — após a invasão turca e a divisão de Chipre — moram hoje exatamente zero pessoas.

Perdida entre o mar de más notícias deste início de ano, porém, esteve a declaração dos líderes cipriotas (gregos e turcos) de que um acordo de reunificação da ilha pode ser alcançado em 2016. A União Europeia pode e deve ter imaginação para o ajudar a conquistar. E o caminho pode passar por Famagusta e pela sua estância-fantasma.

Por menos dinheiro do que o pedido para a futura guarda costeira, a UE poderia promover ali a instalação de uma universidade que fosse o farol de um pólo de conhecimento, ciência, tolerância e emprego, e onde uma parte dos jovens sírios pudessem continuar a sua formação, literalmente de frente para o seu país, em estado de prontidão para o reconstruir quando a paz voltar. Esta universidade deveria funcionar pelo menos nas línguas árabe, grega e turca — esta última, aliás, prestes a tornar-se língua oficial da UE se Chipre for reunificado este ano.

Uma oferta destas ajudaria a reforçar a boa vontade na fase final das negociações de reunificação de Chipre, salvaria vidas, daria um horizonte de esperança aos jovens sírios e criaria um ambiente de convivência contra o extremismo no Mediterrâneo oriental. Não é a solução para tudo. Mas é uma solução que está ali à frente.

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