Impacto das subvenções na campanha de Belém atenuado pela morte de Almeida Santos

Vera Jardim, porta-voz da candidata, fala de um “clima de populismo” e desanca em Sampaio da Nóvoa. Este, por seu lado, diz que se fosse deputado não teria subscrito o pedido de inconstitucionalidade da norma polémica.

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A terça-feira negra de Maria de Belém: no dia da morte do seu apoiante Almeida Santos, soube-se que subscreveu o pedido de devolução das subvenções dos políticos Adriano Miranda

A devolução das subvenções vitalícias dos políticos entrou na campanha das presidenciais e Maria de Belém ficou debaixo dos holofotes mediáticos por ter subscrito o pedido de fiscalização da constitucionalidade à norma do Orçamento do Estado para 2015, juntamente com mais 29 deputados do PS e do PSD. E que efeito é que esta questão tem na sua candidatura? Foi isso que o PÚBLICO quis saber.

O porta-voz da candidatura de Maria de Belém, Vera Jardim, reconhece que o caso “não é positivo” e critica o “clima de populismo levado ao extremo” que se está a marcar estas eleições. Reprova as palavras de Sampaio da Nóvoa no final do debate na televisão, em que cá fora disse que, se for eleito, pretende tirar as subvenções dos ex-Presidentes da República”. “Isto é uma enormidade, até porque nem o pode fazer”, atira, lamentando que alguém que é apoiado por três ex-presidentes se comporte desta forma

A investigadora da área dos media e professora da Universidade do Minho Felisbela Lopes diz que qualquer leitura política do caso tem de ser feita mediante a cobertura mediática. A investigadora considera que o facto de o caso das subvenções ter coincidido com a morte de Almeida Santos “neutralizou o grande efeito que essa ligação pudesse ter” na candidatura de Maria de Belém.

A circunstância da candidata não ter ido ao debate da RTP na terça-feira com os outros candidatos - a agenda da campanha foi toda suspensa até esta quinta-feira à hora do almoço – “contribuiu para diminuir o impacto”. Felisbela Lopes reconhece que, se Almeida Santos não tivesse morrido e se a candidata tivesse participado no debate, “haveria um confronto brutal”, porque ela seria o “rosto das subvenções vitalícias”.

António Costa Pinto analisa a questão de um outro ponto de vista, chamando a atenção para a particularidade de haver dois candidatos fortes com mais distanciamento da classe política - Marcelo Rebelo de Sousa, que apesar de ter sido líder do PSD tem um percurso autónomo há 20 anos, e Sampaio da Nóvoa, que é independente -, o que “faz com que Maria de Belém seja facilmente associada aos defeitos da classe política”. E atira um outro dado: o facto de Maria de Belém ter acumulado a presidência da comissão parlamentar de saúde com o de consultora do Grupo Espírito Santo Saúde, para destacar o “impacto negativo” da acumulação dos cargos.

Ana Belchior, professora de Ciência Política do ISCTE/ Instituto Universitário de Lisboa (IUL),  considera que “esta iniciativa de fiscalização só pode ser mal acolhida pelo cidadão comum”. “Trata-se de um privilégio, ainda mais inaceitável pelo contexto social em que é reposto. Do ponto de vista do pensamento racional do eleitor, o impacto sobre a campanha de Maria de Belém só pode ser objectivamente negativo”., afirma ao PÚBLICO

Embora seja apoiante de Maria de Belém, o professor Adelino Maltez não aplaude a decisão da candidata, afirmando mesmo que revela um perfil que já lhe “causou dissabores”, numa alusão á sua ligação ao Grupo Espírito Santo Saúde. “É preciso um choque moral e um novo paradigma”, advoga, considerando que este tipo de comportamentos pode dar votos a Paulo Morais. “A democracia exige ética e nem tudo o que é lítico é honesto”, remata o catedrático da Universidade Técnica de Lisboa.

André Freire, professor do ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, que integra a comissão política da candidatura de Sampaio da Nóvoa, partilha da opinião da investigadora Felisbela Lopes, afirmando que “os efeitos [da decisão de Maria de Belém] vão depender do grau de mediatização que for dado pela comunicação social”. Fala de um tema que não é popular e critica a “incoerência” da candidata. “Quando foi o episódio de fiscalização dos cortes de salários na função pública e nas pensões na legislatura anterior, Maria de Belém ficou quietinha, desta vez como tinha a ver com as subvenções dos políticos subscreveu o pedido de fiscalização”, aponta André Freire.

Nóvoa: "Eu jamais teria esta iniciativa"
A paragem forçada da campanha terminou, de vez, com aquilo a que Sampaio da Nóvoa chamou, há três dias, “ataques fratricidas” entre as candidaturas de esquerda. Agora, reina a convicção que Maria de Belém está em perda. Sobretudo após o caso das subvenções vitalícias.

Nóvoa não quis cavalgar o assunto. “Não gostaria muito de me pronunciar sobre essa matéria…” Perante a insistência das perguntas dos jornalistas ainda começou por dizer que os deputados gozam de total liberdade para exercer os seus mandatos. Só no fim veio a crítica: “Se eu fosse deputado, jamais tomaria essa iniciativa.” Nova pergunta: E é uma contradição pedir a fiscalização dessa norma e não a dos Orçamentos de Passos Coelho? E aqui, sim, Nóvoa repete a crítica: “Teria sido bom que, enquanto deputada e Presidente do PS tivesse tido uma posição mais activa na defesa da Constituição.”

Nóvoa parte para os últimos dias de campanha “cheio de ânimo” e com “uma convicção muito forte” de que no domingo os eleitores decidirão escolhê-lo para disputar uma segunda volta com Marcelo Rebelo de Sousa.

Em Guimarães, onde retomou as acções de campanha depois de ter interrompido a sua agenda durante 24 horas (entre a tarde de terça-feira e a tarde de quarta), Nóvoa garantiu que  a "dinâmica da campanha tem sido boa” e que as coisas até “têm corrido acima das expectativas".

O candidato refere-se ao apoio nas ruas, mas também à mobilização que sente, nas bases da candidatura. Seja nas bases “auto-organizadas”, que têm mantido um programa autónomo desta “caravana” que percorre o país com o candidato, seja nas estruturas locais, mais próximas do PS, e que não lhe têm faltado com apoio. Ainda esta quarta, na fábrica de calçado Kyaia, em Penselo, Guimarães, António Guimarães, o autarca socialista, acompanhou Nóvoa na visita em que foi anfitrião o empresário Fortunato Frederico, dono da célebre marca Fly London, o maior empresário português do sector, que é também mandatário para a inovação da candidatura.

Mas Nóvoa quer, nestes dois últimos dia de campanha, regressar ao seu lugar de partida: uma candidatura independente, aberta ao apoio de vários sectores. Por isso, esta quarta-feira, em Nogueira de Regedoura, concelho de Santa Maria da Feira, o convidado para discursar foi Carvalho da Silva, o homem que muitos apontavam como “presidenciável” à esquerda, e é um dos mandatários de Nóvoa.

 

 

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