O falhanço europeu!

A Europa precisa por isso de Política que não se limite a tratar de intendência contabilística.

O falhanço europeu é sobretudo o falhanço do euro. Um gigante bíblico sonhado com pés de barro ou — mais apropriado —, um Aquiles de muito frágil calcanhar. Mas é recuperável. Assim haja vontade política.

As fragilidades do euro, sobretudo constitucionais, ficaram mais claras desde 2008. Não faltou quem alertasse para as necessidades inevitáveis: uma política económica e de emprego europeias; um Orçamento europeu com expressão face ao PIB da UE e capacidade de corrigir e (re)distribuir; um Tesouro europeu; emissões de eurobonds; e intervenções estabilizadoras nos mercados primário e secundário de dívida. São necessidades estruturais, independentemente de reestruturações, perdões ou hair-cuts de dívida excepcionais.

Mas o falhanço também foi visível nos sucessivos atrasos em decidir. Na 1.ª revisão do Pacto de Estabilidade em 2005, ajustado à estrita necessidade da Alemanha (e França), com três anos de atraso face à crise de 2002, e depois na 2.ª revisão em 2011, também com três anos de atraso face à crise de 2008.

Não ficámos infelizmente por aqui. Quando em consequência da crise financeira de 2008, da crise económica de 2009, e da crise das dívidas soberanas de 2010, a dívida pública portuguesa se situava neste último ano em cerca de 90% do PIB, era já considerada insustentável por veneráveis instituições e pelos insuspeitos mercados que impuseram taxas de juro substancialmente mais elevadas.

Não sendo isso suficiente, a indisponibilidade para consensos políticos internos associada à necessidade de pôr a salvo alguns países financiadores, transformaram a situação insustentável em irremediável forçando o País à austeridade destrutiva da capacidade produtiva e do emprego, apesar de apresentada como expansionista por acto de fé.

A ideia de ajuda externa aos endividados não poderia, assim, ser mais enganadora — mesmo não esquecendo o perdão à dívida grega – quando comparada com a tripla vantagem alemã com a crise: excedente comercial externo, financiamento por efeito-refúgio a taxas reais negativas, e resgate (mutualizado!) dos bancos alemães à sua exposição (1/3 do total) às dívidas dos países periféricos. Aqui sim, uma verdadeira ajuda.

Vem tudo isto a propósito de dois importantes eventos deste mês. A decisão do Tribunal de Justiça da UE (TJUE) sobre um programa anunciado pelo BCE em… 2012! Felizmente por efeito da designação de Draghi em 2011. E a reunião do G7 na Alemanha.

Tratou-se do programa que tinha em vista autorizar os bancos centrais a comprar dívida dos Estados em mercados secundários (OMT — outright monetary transactions), preservando a unidade — por definição — da política monetária e o correcto funcionamento dos seus mecanismos de transmissão, reconhecendo que as assimetrias de tratamento de certos Estados nos mercados de dívida não eram uma função directa de divergências nas suas situações macroeconómicas, mas de prémios de risco diferenciados pela especulação sobre a capacidade do euro em preservar a sua unidade, evitando a fragmentação.

Anunciando o BCE uma parte da solução óbvia e necessária em 2012 — que só pecou por tardia e por ser limitada às operações em mercados secundários —, logo alguns se opuseram à iniciativa e forçaram, com argumentação jurídica politicamente manipulada, a discussão do assunto no TJUE invocando que o programa violava o Tratado e os estatutos do BCE, apesar das suas reconhecidas funções estabilizadoras.

O TJUE veio finalmente dizer o óbvio: o programa de compra de dívida é compatível com o Tratado; com os estatutos do BCE; e com o quadro da política monetária do euro, não violando a proibição de financiamento monetário dos Estados. E desde logo porque a possibilidade de os bancos centrais comprarem dívida dos Estados para efeitos estabilizadores, não os dispensa de seguir uma política orçamental sólida, não se traduz numa obrigação de compra de dívida que afecte a independência decisória do BCE, nem — no limite — isenta os Estados de respeitar os programas de ajustamento macroeconómico a que estejam obrigados.

Porém, a par do tempo perdido entre 2009 e 2012 pela UE para apresentar uma solução para este problema, perderam-se entretanto mais três anos. Entre 2012 e 2015, em que as conveniências políticas se sobrepuseram à seriedade da discussão jurídica, económica, financeira e monetária, esquecendo a dimensão social.

Entretanto, sobre o caso grego, o G7 reuniu há duas semanas e não lhe dedicou uma linha. Será normal? Disse sem dizer que é um problema europeu e alemão. Um silêncio ensurdecedor que não permite optimismo na rapidez e acerto da solução. Infelizmente. Mesmo que venha a ser encontrada alguma. A Europa precisa por isso de Política que não se limite a tratar de intendência contabilística. Sem solidariedade, não há federalismo. Sem este a moeda única é um projecto falhado!

Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças (2005-2011)

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