Niskier em Portugal: cooperação com o Brasil

O presente e futuro da língua portuguesa no mundo, para além do espaço da própria CPLP.

Os últimos 50 anos do Brasil têm a marca da intervenção de Arnaldo Niskier. O Planetário da Gávea, no Rio de Janeiro – referência obrigatória da cidade e invadido, diariamente, por sucessivos grupos de jovens estudantes e turistas – é uma das suas notáveis realizações, numa das quatro vezes que desempenhou cargos governamentais nas áreas da Cultura e Educação, da Ciência e da Tecnologia.

Mas também avultam a implantação de cerca de uma centena de escolas e o lançamento de uma rede de bibliotecas, a fim de estimular a leitura e promover a difusão do livro. Instituiu concursos e festivais de literatura, organizou debates sobre novas tecnologias, colóquios, seminários e outras iniciativas, para a valorização da língua portuguesa, como língua de expressão e cultura, como língua de trabalho, idioma de comunicação para o diálogo e o encontro de povos e civilizações.

Ao proceder à requalificação do Rio de Janeiro como capital emblemática da cultura do Brasil projetou um Museu da Ciência, na cidade de Campos, no espaço da Quinta da Baronesa; e, também, no Rio, um Museu do Automóvel, ao lado do Planetário.

Membro da Academia Brasileira de Letras, desde 1984, e seu presidente em 1998 e 1999, exerceu uma ação de tal modo relevante que Carlos Heitor Cony, com pleno conhecimento de causa, afirmou que a existência centenária da ABL se caracteriza por “dois períodos – antes e depois de Arnaldo Niskier. Trouxe para a ABL o seu know-how de grande executivo. Impôs a modernidade”. Devem-se-lhe, por exemplo, a instalação do Banco de Dados, que catalogou mais de 12 mil escritores da língua portuguesa; a instalação e inauguração do Teatro Magalhães Júnior a fundação da Galeria Manuel Bandeira.

E, last but not least, empenhou-se na trasladação, em abril de 1998, para o mesmo jazigo do Cemitério São João Batista, de Machado de Assis e de sua mulher e inseparável companheira Carolina celebrada num dos mais belos sonetos da língua portuguesa. Havia uma questão fundamental a resolver. Depois do falecimento de Machado, a família de Carolina recusou a colocação do seu corpo ao lado dos restos mortais do marido, sob a alegação de que “ele era mulato”. Arnaldo Niskier conseguiu que Machado e Carolina, voltassem a ficar juntos para sempre. Uma alegoria escultórica, dois pares de mãos entrelaçadas, simboliza a vida vivida em comum e repara a odiosa discriminação racial.

Arnaldo Niskier vai estar, entre nós, para, nomeadamente, proferir no dia 22 uma intervenção na Universidade Aberta de Lisboa sobre o Ensino à Distância e os Direitos Humanos e para se deslocar, no dia 24, quinta-feira, à sessão da classe de Letras da Academia das Ciências, da qual é sócio correspondente brasileiro.

Este é o ano do centenário do Orpheu, revista luso-brasileira, editada em Lisboa. Reuniu Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Luís de Montalvor e Almada Negreiros e os brasileiros Ronald de Carvalho e Eduardo Guimarães. Também é o ano do centenário da revista mensal Atlântida (1915-1920), editada em Lisboa com a direção de João de Barros e Nuno Simões em Portugal; e de Paulo Barreto e Graça Aranha no Rio de Janeiro. Se o Orpheu apostou na rutura, a Atlântida foi um projeto de conciliação. Deparam-se Guerra Junqueiro e Olavo Bilac, Júlio Dantas e Almada Negreiros, Aquilino Ribeiro e Coelho Neto, Raul Lino e Manuel de Sousa Pinto.

Tem sido frequente, nos últimos anos, a permanência em Portugal de representantes da Academia Brasileira de Letras e outras individualidades do Brasil, empenhadas em contactar e colaborar com Academias e outras instituições portuguesas. Podemos mencionar (correndo sempre o risco de omissão): Geraldo Cavalcanti, Domício Gama Filho, António Torres, Carlos Nejar, Eduardo Portella, António Carlos Seechin, Nélida Piñon, Evanildo Bechara, Cícero Sandroni, Fernando Henrique Cardoso, José Murilo de Carvalho (entrevistado sobre temas importantes por Manuel de Carvalho no PÚBLICO); e agora Arnaldo Niskier.

Os contactos estabelecidos e a estabelecer não se resumem à questão do acordo ortográfico (que é, sem dúvida, importante) mas inserem-se em toda uma diversificada política de cooperação, em vários domínios, que devem abranger todos os povos de língua portuguesa e o presente e futuro da própria língua portuguesa para além do espaço da CPLP e que se reveste de aspetos muito problemáticos.

Jornalista, sócio da Academia das Ciências de Lisboa

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