“Este trabalho foi uma coisa livre, como se fôssemos crianças num recreio”

No ano em que Maria Alberta Menéres faz 85 anos, a filha, Eugénia Melo e Castro, apresenta este domingo ao vivo o livro-disco que fez a partir de poemas da mãe. No Village Underground Lisboa, às 17h, com entrada livre

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Eugénia Melo e Castro Rodrigo César

A ideia era antiga, uma velha ambição de Eugénia Melo e Castro. E a fonte original era ainda mais antiga, os poemas para crianças da sua mãe, Maria Alberta Menéres. Juntar as duas, poemas com canções feitas a partir deles e ilustradas agora por Mariana Melo, filha de Eugénia e neta de Maria Alberta Menéres, foi um projecto que viu a luz do dia, finalmente, em Novembro de 2014.

“Eu queria muito fazer um livro com as ilustrações novas, a homenagem à minha mãe com ela viva, as animações, o clip, as partituras. E, já que é uma obra da minha mãe é uma obra viva e muito actual e este é o primeiro livro de poesia infantil que se fez em Portugal, havia uma série de coisas de que nós não queríamos abrir mão.” E foi isso que, ao fim de muitas discussões, a levou a mudar de editora. “Tirei toda a obra da minha mãe da Leya e fui para a Porto Editora.”

E, dessa vez, as coisas correram bem. A Gulbenkian, que em 1986, dera a Maria Alberta Menéres o Grande Prémio de Literatura para Crianças, apoiou o projecto. E na Porto Editora tiveram uma grata surpresa: “Estava lá o ex-editor da minha mãe, da Asa, que não tinha ida para a Leya!”

E o livro, finalmente, fez-se. Conversas Com Versos retoma os versos tal qual foram publicados nos anos 60, mas, antes, incluiu onze desses poemas adaptados a canções, com as partituras ao lado e, claro, com um CD onde Eugénia, que os canta, gravou com os músicos Eduardo Queiroz, Nath Calan e Camilo Carrara, tendo Ney Matogrosso e Lino Krizz como convidados especiais. As ilustrações são de Mariana Melo, filha de Eugénia, que assina Géninha Melo e Castro. Um diminutivo que ela já detestou mas que, neste contexto de mãe, filha e neta “faz todo o sentido.”

Esta divisão do livro em duas partes distintas é, para Eugénia, essencial. “É muito interessante que as crianças percebam que um poema, quando é usado para uma canção, tem adaptações. E quando elas lerem o poema no original, mais adiante, vejam como é que ele virou canção.”

E como foi? Eduardo Queiroz, multifacetado compositor brasileiro que começou a trabalhar com Eugénia há vários anos e voltou a trabalhar com ela neste projecto, explica: “Eu ia olhando para os poemas, via os que me agradavam e começava a mexer um pouquinho. Com todas as canções foi um pouco assim.” Eugénia: “Eu só aprovei ou rejeitei. Porque a estrutura musical de uma canção é uma coisa que só um compositor pode fazer. Eu até posso sugerir: ‘gostava que se repetisse esta frase’, mas é ele que vai ver se é possível.” Eduardo confirma: “Algumas a gente até abandonou porque não fluía, não desenvolvia. Outras juntámos porque era natural a junção.”

Um exemplo é a terceira canção do disco, a que foi dado o título de O meu chapéu & Consulta e que junta dois poemas num tema só: “Eu gostava muito do tema da Consulta mas não consegui encontrar uma forma de fazer essa música. Já o Chapéu é um sambinha de breque que eu fiz com o Camilo. E acabámos por incorporar as duas porque na minha cabeça isso tinha uma lógica.” A ideia de convidar alguém para um dueto surgiu depois da gravação. “Aí a Eugénia ligou para o Ney [Matogrosso] e ele disse logo: ‘claro, vem, vamos fazer’. O Ney adorou, achou super-legal.”



Outro exemplo de como uma canção foi evoluindo a partir do “som” do próprio poema é Pulos, com música de Camilo Carrara. “Quando fez a música, ele começou com uma bossa nova. Mas eu me lembrei imediatamente daqueles meninos do Olodum e incorporei nela o samba-reggae. Acho que, musicalmente falando, é uma das melhores do disco. É a que eu gosto mais.”

“Fazíamos teatrinhos”
A junção de três gerações neste trabalho foi proveitosa e fluída. E, diz Eugénia, desenvolveu-se “de uma forma bastante independente. Nós não interferimos nada nos desenhos da Mariana, aliás ele só nos mostrou os desenhos no final.” Mas conversaram muito, diz Eduardo. “A construção dos personagens, que é muita coisa de que as crianças gostam muito, foi muito discutida.” E há outro pormenor curioso. “Como ela viveu muito com a minha mãe”, diz Eugénia, “resultado das minhas idas e vindas ao Brasil, e como a minha mãe escrevia que nem uma louca (na máquina de escrever, nunca aceitou escreveu num computador), ia dando à Mariana, para a entreter, o que ia escrevendo. E a Mariana ia desenhando. Com o sonho de um dia aqueles desenhos serem levados a sério.” Se o poema falava numa galinha ela desenhava a galinha sempre na esperança de a avó aprovar, mas quando os poemas iam para livro a ilustração era dada a um ilustrador. Até agora.

Reeditando-se as obras de Maria Alberta Menéres (cerca de 80 livros) na Porto Editora, a ideia de Eugénia é que Mariana possa ilustrar pelo menos uma dezena. Este livro, Conversas Com Versos, foi escrito originalmente quando Eugénia tinha 10 anos. Ela e a irmã foram “cobaias” da mãe, no melhor sentido, porque ela testava nelas o que viriam a ser as reacções das crianças. “Fazíamos teatrinhos, havia uns poemas que a gente gostava mais, outros menos, vivia-se um ambiente de grandes tertúlias em casa.”

Pois o resultado desta segunda vida de Conversas Com Versos é este domingo apresentando ao vivo por Géninha, chamemos-lhe agora assim, nas festas da Village Underground Lisboa (às 17h, com entrada livre). O livro, já nas lojas, tem o carimbo Ler+, do Plano Nacional de Leitura, mas não aplica, ostensivamente, o novo acordo ortográfico. “Não aderimos nem vamos aderir. A tentativa de unificar foi totalmente frustrada, foi feita por pessoas catedráticas que não andam na rua, não comunicam com as pessoas no metro, no autocarro. Este nosso trabalho é extremamente colectivo, toda a gente entrou, fez coros, deu opiniões, foi uma coisa livre como se fôssemos crianças num recreio.”


 

 

Notícia corrigida quanto à localização do Village Underground Lisboa.

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