A “bandeira” de um país

Num momento em que se exigia que a crise fosse gerida com um mínimo de visão estratégica, a TAP respondeu com provinciana tacanhice.

Os pilotos da TAP decidiram fazer greve durante dez dias. Foi-lhes imposta a obrigação de realização, nesse período, de um total de 306 voos. Serviços mínimos. Tem de ser, nada a fazer. Mas a TAP decidiu fazer destes serviços mínimos um exemplo. Estes serviços são tão mínimos que quase não os vemos. Mas só se a perspectiva for de quem está a norte.

Num total de 306 voos (qualquer coisa como uma média de 30 voos por cada dia de greve) a TAP achou que seria suficiente realizar apenas seis com partida ou destino no Aeroporto Francisco Sá Carneiro (Porto). Meia dúzia de voos, uns de/para o Funchal e outros de/para o Luxemburgo.

Os números, só por si, já eram de uma clareza cristalina. Mas então a TAP decidiu ir mais longe, e o seu porta-voz explicou, em declarações à Lusa transcritas no PÚBLICO, que a lógica era simples: “O aeroporto de Lisboa tem dimensão maior, é aqui que está o principal hub da companhia. Lisboa gera mais tráfego e toda a operação para as Américas e África.” Pois é. De facto, mais absurdo do que atribuir ao aeroporto do Porto seis dos 306 (!!!) voos “obrigatórios” é justificar essa decisão com base num argumento esférico, estribado numa lógica que disfarça uma decisão insustentável e vergonhosa sob um manto de uma pretensa “racionalidade” saloia, que não atende a qualquer lógica de justiça social na repartição dos incómodos gerados pela greve. O critério é só um: a TAP dá mais voos “obrigatórios” ao aeroporto de Lisboa, porque o aeroporto de Lisboa é maior precisamente porque tem mais voos.

O facto de a TAP demonstrar não ter discernimento que lhe permita perceber o absurdo argumentativo que utilizou diz muito acerca dos motivos pelos quais se encontra na situação difícil que todos os dias é notícia desde que me lembro. Num momento em que se exigia que a crise fosse gerida com um mínimo de visão estratégica, a TAP respondeu com provinciana tacanhice, concluindo com uma explicação que confunde premissa com conclusão e justifica o que não fez hoje com o que não fez no passado e demonstra não ter vontade de fazer de agora em diante.

De acordo com os dados que foram utilizados pela ANA para fixação das taxas reguladas de 2014, o aeroporto do Porto teve em 2014 um volume de tráfego correspondente a cerca de 32% do volume de tráfego registado, no mesmo ano, no aeroporto de Lisboa. Para a TAP, em tempos de escassez, bastam 2% dos voos. Não há um voo para Paris, não há um voo para Londres, nem uma ligação para Frankfurt. A concorrência certamente agradece.

Querem, portanto, fazer da TAP a bandeira do país? Obrigado, mas o país de que a TAP quer ser bandeira não é, certamente, o país que eu quero para o futuro. Infelizmente, também não posso dizer que seja um país do passado. Se calhar o problema é mesmo meu: a TAP conhece muito melhor o “país” em que vivemos do que eu.

Advogado; joaorochadealmeida@gmail.com

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