Brincar às reformas

A maioria PSD/CDS-PP, muito provavelmente, ter-se-á esquecido de que é premente romper com a visão do curto prazo.

Por muitos prismas que nos tentem sugerir, salta à vista de todos que a propalada “Reforma do Estado”, bandeira eleitoral da atual maioria governativa (PSD/CDS-PP), não passou de uma miragem, de um falhanço completo.

Logo à partida, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, foi alertando que as 120 propostas – afinal eram 119 – transcendiam o prazo de uma legislatura, o que, estranhamente, vincularia as seguintes. Como se tal não fosse suficiente, foi dizendo que o documento requeria a consensualização com outros partidos e parceiros sociais. Um pré-requisito apadrinhado pelo Presidente da República, já que Cavaco Silva reiterou o apelo aos compromissos políticos, insistindo que há um conjunto de reformas no Estado e de orientações estratégicas que devem ser objeto de um entendimento de médio prazo entre as forças partidárias. Nada mais conveniente…

Todavia, a constatação dominante é que a “Reforma do Estado” não foi feita, por incapacidade governativa e falta de pessoas, devidamente capacitadas para a gestão e organização pretendidas. Com isso, perdeu-se uma grande oportunidade para se reformar, por exemplo, a Segurança Social, que continua em trajetória insustentável, num país em que não há grande margem para fazer crescer a receita fiscal, e onde a falta de verdadeiras reformas condicionam as governações futuras.

Como agravante, prevê-se que 2015 venha a ser um mau ano, dado irmos atravessar uma fase atípica, provocada pela proximidade eleitoral.

Constata-se, também, que no guião Paulo Portas, subscrito de cruz por Passos Coelho, ficou esquecido que a “Reforma do Estado”, designadamente na área da gestão, tem de ir da despesa mais baixa à mais alta, já que é o somatório de muitas despesas pequeninas, de organismo em organismo, que permitirá reduzir o peso brutal da carga fiscal.

Aliás, o documento apresentado limita-se a ser – também ele – um somatório de medidas casuísticas, afirmações óbvias e de ideias simpáticas que em nada contribuem para esclarecer o essencial. Nele não se explicitam disposições que nos levem a superar o atraso estrutural, que é, em simultâneo, limitador da competitividade, comprometedor do crescimento e um obstáculo para a consolidação sustentável das finanças públicas. Por explicitar ficou, ainda, a forma como os atuais governantes querem – ou, talvez não - recuperar os danos sociais e económicos provocados pelo ajustamento, encontrar um novo equilíbrio na gestão dos nossos compromissos, que favoreça o crescimento, a criação de emprego, o controlo do défice e a redução da dívida. Não será necessária grande perspicácia para entender que Portugal não se aguenta se não reduzir, significativamente, a dimensão do Estado, designadamente, nas despesas correntes primárias.

Neste contexto, seria expectável que o Governo tivesse uma postura diferente, não reaparecendo sem trazer consigo soluções estruturais, integradas e reformistas, em matéria das funções e dos regimes públicos.

A maioria PSD/CDS-PP, muito provavelmente, ter-se-á esquecido de que é premente romper com a visão do curto prazo, com o ciclo vicioso e precário em que o Governo se bloqueou e bloqueou o país – subindo impostos para aumentar a receita ou cortando salários e pensões para baixar a despesa. Em suma, Portugal precisaria, como afirmou Miguel Cadilhe, que os membros do atual executivo tivessem apresentado “um projeto de reforma que fosse um gesto de consideração, e não aquela coisa a que se chamou Guião para a Reforma do Estado, que é uma ofensa, uma parolice, uma desconsideração”.

Definitivamente, Portugal não necessita de andar a brincar às reformas. Necessita, isso sim, de reunir vontades, construir compromissos, mobilizar energias, em torno de uma nova agenda, de uma nova governação, que garanta, aos portugueses, consistência, durabilidade e estabilidade.

Professor universitário e deputado PS

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