Merkel termina o ano com discurso contra a xenofobia

A chanceler pediu aos alemães para não participarem nas manifestações semanais promovidas por grupos anti-islâmicos e defendeu a política de asilo do país.

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Discurso de Merkel vai ser emitido esta quarta-feira Maurizio Gambarini / Reuters

A chanceler alemã, Angela Merkel, insurgiu-se contra o movimento anti-islâmico que tem ganho notoriedade no país através de manifestações semanais. No discurso de Ano Novo, Merkel fez um apelo muito directo aos alemães para que não participem nessas acções.

A imigração é “um ganho para todos nós”, afirmou Merkel, durante um discurso fortemente crítico em que também se dirigiu à Rússia. “Digo a todos aqueles que vão a essas manifestações: não sigam os que vos chamam a participar! Porque frequentemente, os seus corações estão cheios de preconceitos, frieza, e mesmo ódio”, disse Merkel, citada pela AFP, que teve acesso ao texto do discurso que a chanceler vai ler numa emissão televisiva esta quarta-feira à noite.

Em várias cidades alemãs têm sido organizadas manifestações anti-imigração, apoiadas pelo grupo “Patriotas europeus contra a islamização do país” (PEGIDA, na sigla em alemão) – uma nova organização de cariz xenófobo criada em Outubro e que tem ganho popularidade. É sobretudo às segundas-feiras que são marcados os protestos que chegaram a atrair 15 mil pessoas em Dresden ainda este mês.

O objectivo das “manifestações de segunda-feira” é reproduzir as acções de protesto que, no final dos anos 1980, se realizaram em várias cidades da Alemanha de Leste e aceleraram a queda do regime comunista. O próprio slogan que presidia às manifestações na antiga RDA – “nós somos o povo” – foi apropriado. Agora, a luta é contra aquilo que o PEGIDA e vários grupúsculos neonazis e de extrema-direita dizem ser a “islamização” da Alemanha.

“Hoje, muitas pessoas gritam de novo às segundas-feiras ‘Nós somos o povo’. Mas na verdade elas querem dizer ‘Vocês não pertencem por causa da cor da vossa pele ou da vossa religião’”, disse Angela Merkel. A chanceler já se tinha pronunciado sobre as manifestações, dizendo que na Alemanha “não há lugar” ao ódio racial. O ministro da Justiça, Heiko Maas, descreveu-as recentemente como uma “vergonha” para o país.

A verdade é que numa Alemanha que se assume cada vez mais como o motor económico do bloco europeu e com um desemprego em mínimos históricos, é a imigração a grande clivagem interna que causa algumas dores de cabeça a Merkel – a sua taxa de aprovação está nos 67%, de acordo com sondagens recentes, algo inaudito actualmente na Europa.

Sintomática é a subida de popularidade do partido eurocéptico Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem também adoptado um discurso xenófobo. O partido que condena os programas de assistência financeira a Estados da União Europeia conseguiu eleger sete eurodeputados em Maio e alcançou representação em três estados federais.

Um dos pontos mais críticos é a política de asilo, considerada pelos sectores mais conservadores demasiado permissiva. Este ano, a Alemanha recebeu cerca de 200 mil refugiados, o quádruplo do número de 2012, muito por causa do recrudescimento da guerra civil na Síria.

Não se perspectivam, contudo, alterações à orientação das políticas de acolhimento de pedidos de asilo, pelo menos a fazer crer nas palavras de Merkel. “É claro que ajudamos e acolhemos aqueles que aqui buscam refúgio. É um elogio à Alemanha o facto de filhos de indivíduos perseguidos poderem ter crescido sem medo no país”, afirmou.

Angela Merkel dirigiu ainda algumas palavras à Rússia, no final de um ano marcado pelo mais sério confronto entre o Ocidente e Moscovo desde o final da Guerra Fria, por causa do conflito ucraniano. “A Europa não pode e não irá aceitar que um suposto direito do mais forte despreze o direito internacional”, disse a chanceler.

A Alemanha, no âmbito da UE e em conjunto com os Estados Unidos, Canadá e Austrália, foi um dos países que aplicou sanções económicas à Rússia pela anexação da península da Crimeia e pela desestabilização do Leste da Ucrânia. Ainda assim, Merkel quis deixar uma porta aberta a uma solução política para as relações entre o Ocidente e a Rússia. “Obviamente que desejamos estabelecer a nossa segurança na Europa com a Rússia e não contra a Rússia.”

O pontapé de saída do próximo ano relativamente ao dossiê ucraniano será dado já a 15 de Janeiro no Cazaquistão, data em que está previsto um encontro entre o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, e o homólogo russo, Vladimir Putin.

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