Embaixador da Argentina: a austeridade “nunca” garantiu a sustentabilidade da dívida

“A política de austeridade não foi parte da solução, mas foi claramente parte do problema”, diz Jorge Argüello.

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Jorge Argüello, embaixador da Argentina em Portugal Enric Vives-Rubio

Dificilmente o caso argentino passaria à margem do debate sobre experiências de reestruturação da dívida pública. O tema está a ser debatido nesta terça-feira no Parlamento, numa conferência aberta a investigadores e economistas nacionais e estrangeiros. E do embaixador da Argentina em Portugal, Jorge Argüello, chegou um aviso, ainda a discussão não tinha aquecido: a zona euro deve tirar conclusões do exemplo argentino e ver que a austeridade nunca garantiu a sustentabilidade da dívida.

Argüello considerou a estratégia de desendividamento da Argentina através da reestruturação da dívida a única via que permitiu ao país lutar “contra os [fundos] abutres” e garantir-lhe um modelo de crescimento sustentável. A austeridade “nunca, nunca” garantiu a sustentabilidade da dívida, vincou.

“No meu país, a dívida nunca foi um instrumento de desenvolvimento. A dívida acompanhou o crescimento do desenvolvimento”, sublinhou, reforçando que o modelo económico baseado no financiamento externo submeteu a Argentina a uma grande crise económica, financeira e política.

À pergunta do deputado do PCP, Paulo Sá, sobre as consequências da reestruturação da dívida para o povo argentino, o embaixador defendeu que o processo foi “indubitavelmente benéfico” para o país. E apresentou alguns argumentos, referindo que, durante dez anos, entre 2003 e 2012, “a Argentina cresceu a uma taxa média de 6% anual”, notando que a pobreza se reduziu para metade e que houve uma aposta no consumo e no aumento real dos salários.

Jorge Argüello ressalvou que cada processo de reestruturação é singular. Mas no caso da Argentina, a leitura que faz é positiva. “A política de austeridade não foi parte da solução, mas foi claramente parte do problema”.

Stuart Holland, economista britânico e ex-conselheiro de Jacques Delors como presidente da Comissão Europeia, centrou o tema da renegociação da dívida portuguesa no contexto da fragmentação da economia europeia, onde diz ser preciso um plano efectivo de promoção do crescimento económico e de redução dos desequilíbrios entre países. O plano de investimento público-privado prometido por Jean-Claude Juncker, disse, não é um verdadeiro plano de recuperação económica para a Europa. “Não é o plano Junkcer. É o plano Katainen”, ironizou, referindo-se à relutância de Jyrki Katainen, comissário europeu do Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade.

Do que a Europa precisa, diria Stuart Holland, é de soluções públicas, num modelo que os fundos europeus de investimento apostem em sectores estratégicos, na saúde, na educação, sem contar para a dívida pública.

Yannis Manuelides, da sociedade de advogados internacional Allen & Overy e que participou na comissão de credores privados que negociou com a Grécia um corte na dívida pública, convocou para o debate as questões técnicas que uma reestruturação envolve. Num processo destes, afirmou, nem tudo está programado e há diferentes abordagens de reestruturação que podem ser encaradas: uma troca de dívida, a extensão das maturidades, um corte na dívida, a redução dos juros. “Há uma longa lista de opções”. E de depois da reestruturação, uma questão que se coloca é a de saber se a dívida passa a ser sustentável.

Falando do caso da Grécia, Yannis Manuelides lembrou que Angela Merkel e Nicolas Sarkozy, quando foram confrontados com a situação de colapso da zona euro no pico da crise em Atenas, acabaram por decidir-se pela reestruturação da dívida. “O risco [de desmembramento da moeda única] foi neutralizado”.

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