Governo insiste em consenso, PS rejeita “salganhada” no IRS

Oposição acusa o executivo de manter o esforço fiscal sobre os rendimentos do trabalho. A maioria contesta e diz que ninguém fica prejudicado com a reforma.

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Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, acusou o PS de radicalizar o discurso Nuno Ferreira Santos

A divergência entre o Governo e o PS em torno da reforma do IRS ficou clara, mais uma vez, no plenário desta quinta-feira, apesar de o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, insistir numa aproximação aos socialistas.

Num debate de actualidade marcado pelo PCP sobre a reforma do IRS – que na sexta-feira vai a votação final global –, a bancada socialista deixou para o final a sua posição, já depois de duas intervenções de Paulo Núncio, em que justificou as últimas alterações apresentadas como uma tentativa de aproximação ao partido liderado por António Costa.

A divergência que separa o PS e a maioria tem a ver com a adopção de um quociente familiar como forma de ter em conta os filhos no IRS. Com este sistema, o rendimento é dividido por todos os membros do agregado familiar (incluindo os dependentes), sendo-lhes atribuídas ponderações diferentes (os sujeitos passivos valem um “ponto” cada e os filhos 0,3).

O PS considera a medida regressiva e propõe que se mantenha o modelo actual (o quociente conjugal, em que o rendimento é divido apenas pelo número de sujeitos passivos), reforçando ao mesmo tempo as deduções fixas por cada filho.

“O que é bem claro é que não foi para se aproximar do PS que a maioria fez esta salganhada. Não foi para se aproximar do PS, foi porque não se entendiam entre si”, atirou Vieira da Silva, vice-presidente da bancada socialista, referindo-se ao facto de a maioria PSD/CS-PP ter apresentado 37 propostas de alteração à reforma.

Momentos antes, o líder da bancada do CDS (partido a que também pertence Paulo Núncio), Nuno Magalhães, tentou contrariar o argumentário socialista para se opor à reforma do IRS. “Ficámos a saber que o PS, se for Governo, revoga o quociente familiar. Todas as famílias com ascendentes ou descendentes deixarão de ter benefícios fiscais e um casal com mil euros por mês é rico. Este é o programa do PS. Fica registado para memória futura”, afirmou.

Os socialistas insistiram na ideia de que, com esta reforma, um filho de um casal com maiores rendimentos “vale mais” do que um filho de um casal com menores rendimentos. “Querem apoiar as famílias com filhos? Muito bem! O PS fez uma proposta que não é regressiva. Os senhores estão pela desigualdade, nós estamos pela equidade”, rematou Vieira da Silva, referindo-se à proposta do PS para que continue a vigorar um quociente conjugal, havendo um reforço das deduções fixas por filho para os 500 euros.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais falou de uma aproximação ao PS, sublinhando que a reforma tem “preocupações sociais”, mas depois de ouvir uma primeira intervenção da bancada socialista, de João Paulo Correia, concluiu que aquele partido está a radicalizar. “O argumento que o PS está a utilizar é um pretexto para não entrar num consenso. O país precisava de um PS com sentido de responsabilidade e que não se aproximasse do radicalismo do PCP e do Bloco de Esquerda”, acusou.

No arranque do debate, o deputado comunista Paulo Sá acusou o Governo de manter, com a reforma, uma elevada carga fiscal. “As alterações ao código do IRS que estiveram na base do enorme aumento da carga fiscal que recai sobre os trabalhadores, reformados e famílias permanecem inalteradas na proposta do Governo. São elas a redução do número de escalões de oito para cinco, o aumento da taxa de imposto em todos os escalões (…) e a introdução da sobretaxa de 3,5%”, afirmou.

Elsa Cordeiro, deputada social-democrata, tinha afirmado que uma reforma fiscal não se faz a pensar no agravamento ou desagravamento dos impostos, mas antes a pensar em questões como a equidade ou a eficiência. Para contestar a tese da oposição, a deputada referiu-se a simulações já conhecidas que mostram que as propostas de alteração do PSD e CDS/PP permitem uma redução generalizada do imposto, por via do aumento das deduções. “Ninguém, ninguém é prejudicado com a reforma do IRS”, garantiu Elsa Cordeiro.

O líder da bancada bloquista, Pedro Filipe Soares, interveio na mesma linha do PCP, considerando que o aumento de impostos sobre os trabalhadores se manteve inalterado. E contestou a intervenção de Elsa Cordeiro. “Nem a ‘reforma’ da reforma corrige o essencial: a senhora deputada diz que não se altera uma reforma pela receita fiscal. Mas podemos, senhora deputada. Por que é que se mantém o abuso de 3000 milhões de euros de receita fiscal?”, questionou, dirigindo-se à deputada social-democrata, numa referência à sobretaxa de IRS. “O IRS com este Governo é uma arma apontada aos rendimentos das famílias e uma mão no bolso das famílias”, rematou.

Pelo Partido Ecologista Os Verdes, a deputada Heloísa Apolónia acompanhou os restantes partidos da oposição, considerando que a proposta de reforma e as sucessivas alterações propostas pela maioria são uma “trapalhada e uma desilusão”.

Depois de o Governo apresentar uma proposta de reforma em Outubro – alterando o modelo de deduções à colecta e introduzindo uma cláusula de salvaguarda para evitar que alguns contribuintes ficassem prejudicados com a adopção das novas regras –, os partidos da maioria avançaram com uma nova versão da reforma, voltando a alterar as regras das deduções para moldes mais próximos dos actuais.

Afinal, as despesas de educação, os encargos com imóveis (juros do crédito à habitação e rendas), PPR, os gastos com lares e as despesas de saúde (já previstas na primeira versão da reforma) vão poder ser deduzidas no IRS. Haverá um limite de dedução individual para cada uma destas despesas, que terão depois um tecto global semelhante ao modelo actual, em que o limite diminui à medida que aumenta o rendimento do contribuinte.

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