A caminho de uma temporada

Depois de um período algo confuso, com concertos e espectáculos líricos frequentemente anunciados de forma parcelar e arbitrária, chegando a haver três óperas seguidas em versão de concerto — situação paradoxal para um teatro lírico —, o Teatro Nacional de São Carlos apresentou finalmente uma programação que se parece com uma verdadeira temporada. Mas não tenhamos ilusões.

Com um orçamento reduzido ao mínimo, sem possibilidades de planificar a longo prazo e com um consultor artístico em acumulação de funções com outro teatro não há milagres. No meio destas limitações, Paolo Pinamonti, que mantém o cargo de director artístico do Teatro de La Zarzuela de Madrid, recorreu à sua longa experiência e a algumas estratégias para pôr de pé uma programação anual de considerável dignidade.

Ao apresentar a temporada lírica em conjunto com dois bailados a cargo da CNB, contando com a Sinfónica Portuguesa  — o que faz sentido tendo em conta a existência do Opart, facto que às vezes parece ser ignorado, esquecendo os fundamentos que deram origem à polémica criação deste organismo —, dá-se assim a impressão de um maior leque de escolhas (sete títulos em vez de cinco óperas+dois bailados).

Recorre-se à reposição de um êxito anterior — o Werther de Massenet encenado por Graham Vick — e mais uma vez à zarzuela, que agora passa a ter lugar cativo no São Carlos. Com uma amostra tão pequena no campo lírico é óbvio que não é possível contemplar muitos estilos e épocas históricas, o que constitui mais uma razão para questionar a opção pela zarzuela (ainda que neste caso se use a justificação de que a acção de Los diamantes de la corona é ambientada em Portugal).

Nada a opor no âmbito de uma programação mais ampla, mas fará sentido quando não se encontra contemplada nenhuma ópera barroca nem clássica, nem de nenhum compositor português, e quando o século XX se limita a um só título? Há porém a salientar que, neste último caso, temos uma das propostas potencialmente mais interessantes e que despertam mais expectativas, com a escolha de The Rake’s Progress, de Stravinsky, com encenação de Rui Horta. As restantes propostas cingem-se ao século XIX, com duas óperas italianas (entre as quais o Macbeth de Verdi com Elisabete Matos) e uma francesa mais a referida zarzuela de Brabieri.

Para além do regresso de Graham Vick, outros aspectos remetem para um “reviver o passado” em São Carlos da parte de Pinamonti, que foi director artístico entre 2001 e 2007. É por exemplo o caso da presença do maestro Donato Renzetti no ciclo da integral das Sinfonias de Mendelssohn pela Sinfónica Portuguesa ou da inclusão de uma das obras de Azio Corghi sobre texto de José Saramago (Pace e Guerra) no ciclo Se non ora quando, que assinala o centenário da I Guerra Mundial.

Ainda no plano das colaborações espanholas, o prestigiado pianista Joaquín Achucarro será Artista em Residência em Abril de 2015. Será decerto uma óptima oportunidade para ouvir a sua arte em vários concertos, mas sendo o São Carlos o nosso único teatro lírico não faria mais sentido ter um cantor ou uma cantora como Artista em Residência? E tendo em conta a grande quantidade de jovens cantores portugueses de alto nível que existem actualmente (vários deles a iniciar promissoras carreiras internacionais) porque não dar-lhes voz num ciclo de recitais no Salão Nobre para além das possíveis inclusões nos elencos?

Finalmente, espera-se que o investimento em programas pedagógicos, que inclui a apresentação da ópera para crianças Brundibar, de Hans Krasa, em colaboração com o conservatório, possa vir a crescer de forma consistente.

Crítica de música clássica

Sugerir correcção
Comentar