Indianos vão escolher um primeiro-ministro que os leve “ao topo do mundo”

A Índia é uma das maiores economias do mundo, é uma potência nuclear e é a maior democracia do planeta.

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A Índia é a maior democracia do mundo Reuters
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Narenda Modi, um dos principais candidatos Reuters
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Arvind Kejriwal Reuters

Na Índia, 815 milhões de eleitores começam hoje a escolher um novo primeiro-ministro. A votação dura cinco semanas pelo que o resultado só será conhecido no dia 16 de Maio. Prevê-se uma adesão grande porque, explicaram muitos analistas, estas são eleições cruciais para o país.

A Índia é uma das maiores economias do mundo, é uma potência nuclear e é a maior democracia do planeta. É um gigante, mas está adormecido e agora quer acordar. “Quero que o meu país esteja no topo do mundo”, disse à Reuters Shamim, uma estudante de 20 anos de Bihar. Mais de metade dos 1,2 mil milhões de indianos tem menos de 25 anos e 100 milhões deles vão votar pela primeira vez.

Mas nem só os mais novos estão impacientes e querem que as legislativas de 2014 materializem uma ruptura que mude o que a Índia é para dentro e para fora.

Há no país, explicou o historiador Ramachandra Guha à revista Time, uma pulsão de mudança. E é nesse contexto — tão importante como uma escolha entre um partido nacionalista e neo-liberal e uma formação de inspiração socialista — que os indianos irão votar e optar entre Narenda Modi, que lidera o partido nacionalista Bharatiya Janata (Partido do Povo da Índia), e Rahul Gandhi que é vice-presidente da mais antiga formação política, o Congresso.

As sondagens, que na Índia são imprecisas, devido à dimensão do país e à complexidade de interesses na política regional, são unânimes em adivinhar a vitória de Modi. Os números mais recentes, da empresa ABP News-Nielsen, dizem que os nacionalistas hindus e os seus aliados pré-eleitorais devem conseguir 233 dos 543 lugares do Parlamento nacional — são precisos 272 para governar.

O Congresso e aliados, no poder há dez anos, podem não ultrapassar os 119 lugares, um dos piores resultados de sempre para a formação que dominou a vida política indiana em 60 anos de História independente do país.

“Vocês deram-lhes 60 anos. Dêem-me 60 meses e prometo-vos que mudo este país”, disse Narenda Modi num dos últimos comícios da campanha.

Modi construiu uma campanha agressiva e abrangente. Nos comícios que fez em todo o país, nada deixou de fora. Mas insistiu em dois grandes temas: a economia e a dinastia.

Entre 2006, escassos dois anos depois de o Congresso regressar ao poder (após uma legislatura dominada pelo BJP), o crescimento da economia da Índia estava nos 9,5%. Mas em 2013 tinha descido para 5%. Modi prometeu aos indianos uma nova reforma estrutural da economia, destinada a ressuscitar o entusiasmo económico e social que o país saboreou a partir do final da década de 1980, quando deixou a economia fechada e prosperou, entrando para o clube dos Tigres asiáticos. O candidato do BJP promete que fará renascer o relevo geopolítico que o país ganhou nessa altura.

A Índia deverá endurecer as posições em relação à China e ao Paquistão, dois países com quem Nova Deli mantém rivalidades e disputas territoriais. Num comício, Modi disse a Pequim para apagar “as ideias expansionistas” que tenha em relação a territórios indianos, e acusou o Paquistão de ter uma política de agressão para com os muçulmanos indianos. “Juro em nome desta terra que protegerei este país” — a China e o Paquistão também são potências nucleares.

Crise de confiança
O candidato prometeu também aos indianos salvá-los da política dinástica do Congresso, um partido em claro declínio, devido à prestação dos últimos dois mandatos governamentais, chefiados por Manmohan Singh, e pelos casos de corrupção que envolvem tantos dos seus membros.

Um estudo realizado pelo “think tank” Association for Democratic Reforms e divulgado na quinta-feira passada revela que um quinto de todos os candidatos a estas eleições estão acusados de algum tipo de crime (corrupção, extorsão, violação, assassínio). Na Índia, concluiu o estudo que só avaliou os casos em tribunal, os criminosos estão na política.

Nos comícios, Modi associou este banditismo na política ao Congresso. E associou o Congresso a um problema — a dinastia que domina o partido desde Jawaharlal Nehru. Se em tempos a dinastia era uma mais-valia que se traduzia em votos, já deixou de o ser.

“A queda da influência da dinastia política também está no coração desta mudança que se pressente”, considera o historiador Ramachandra Guha. “O carisma dos Gandhi, que era intocável, como que desapareceu”.

O analista político Sumantra Bose, especialista em Índia da London School of Economics, que respondeu por email a perguntas do PÚBLICO, concorda. “Gradualmente, e nos últimos três anos, instalou-se no país uma crise de confiança na competência e integridade [do Governo e do Congresso]. Há uma percepção no país de que o Governo liderado pelo Congresso danificou a Índia de muitas maneiras”.

“Nas últimas semanas, tornou-se claro que o BJP é o partido que mais beneficiará desta zanga nacional com o Governo disfuncional do Congresso. O BJP é o partido mais bem posicionado para manter uma governação estável e as pessoas em todo o país percebem a importância de haver um Governo estável, sobretudo para revitalizar a economia. Não querem que o caos substituía o Governo desacreditado do Congresso”, diz Varshney.

Fim da dinastia
O analista da London School of Economics diz que a dinastia “estrangulou” de tal forma o Congresso que quase o destruiu. “Esta eleição vai testemunhar o fim da dinastia Nehru-Gandhi como uma grande força política da Índia. Mas, ao mesmo tempo, o Congresso identifica-se tanto com ela que vai ser difícil ao partido criar uma identidade e um futuro pós-dinásticos”. Diz Ashutosh Varshney que o Congresso vai ter dificuldade para reagir ao choque e reemergir nos próximos anos.

É neste cenário difícil que surge, pela primeira vez numa eleição nacional, Rahul Gandhi. É o candidato não oficial à chefia do Governo — por tradição, o Congresso só escolhe o primeiro-ministro depois de vencer eleições — e o seu cargo oficial foi “director de campanha”. Durante anos, Gandhi tentou construiu uma carreira na política regional, mas o seu êxito foi relativo. Estas eleições mostraram as suas fragilidades, algumas já conhecidas dos indianos, a maior delas a falta de carisma político.

Gandhi não incendiou plateias, como Modi, não emergiu como o verdadeiro líder do Congresso (a mãe, Sonia, não lhe cedeu esse lugar), não encontrou a linguagem adequada para falar aos eleitores. E, fiel ao programa político do Congresso, não falou em ruptura económica nem traçou como objectivo recuperar o orgulho regional da Índia.

“O Congresso gastou milhões de milhões de euros em programas de apoio à pobreza”, diz um estudo da McKinsey Global, e o número de pessoas em situação de pobreza extrema desceu na década de governo do Congresso. Mas a mensagem não bastou para tornar Rahul Gandhi um político popular — a taxa de popularidade de Modi estava no fim-de-semana em 54%.

Modi não é, porém, uma figura consensual. Há quem lhe chame mesmo o político mais fracturante da Índia, por causa da posição oficial do nacionalismo hindu em relação à população muçulmana — eles são 14% da população da Índia e os nacionalistas hindus querem-nos fora do país.

O Congresso tentou trazer para o debate político a questão muçulmana. Mas Modi, escreveu num artigo de opinião Ashutosh Varshney, professor de estudos internacionais na universidade americana Brown, teve capacidade para se esquivar dela e até para se mostrar inclusivo. “Terá sido estratégia ou uma evolução de pensamento?”, questionou este académico.

A carta do secularismo (Congresso) contra o extremismo religioso (BJP) falhou na estratégia do partido no poder, como falhou quase tudo nesta campanha eleitoral. “Estamos à espera de um milagre”, confidenciou ao The Hindustan Times um dirigente histórico do Congresso cujo nome não é revelado.

Mas nem na Índia, onde o exercício dos números é tão difícil, tal é a dimensão das gentes e dos interesses, já não há quem acredite nele.

O PERFIL DOS PRINCIPAIS CANDIDATOS

 Narenda Modi
 Tem 63 anos e as sondagens dizem que deverá ser o próximo primeiro-ministro da Índia. Nasceu  no actual estado de Gujarat, onde é chefe do governo estadual. Quando era miúdo, trabalhou  como vendedor de chá antes de se deixar seduzir pelas ideias políticas e pela filosofia de vida  dos nacionalistas hindus. Não bebe, não fuma, é vegetariano e comprometeu-se com o celibato.  Avançou para estas eleições com uma agressividade pouco habitual. Os adversários dizem que  é um autocrata e um extremista que sonha limpar a Índia da influência das outras religiões — os  muçulmanos vêem-no como um inimigo, os “sikhs” também. Os analistas dizem que é um  excelente estratega que, com uma atitude combativa e energética, chegou a um eleitorado frustrado com o estado a que a Índia chegou internamente e externamente. Diz ser o candidato do novo arranque económico e do reposicionamento da Índia, uma potência económica e nuclear, no mundo.

 Rahul Gandhi
 O director do jornal de Nova Deli Sunday Times escreveu que o candidato do Partido do  Congresso tem duas batalhas para travar, além da eleitoral. São do foro pessoal — sofre de  ansiedade porque tem que ganhar, e ter que ganhar dá-lhe uma tremenda insegurança. Rahul  Gandhi, de 43 anos, é o herdeiro da grande dinastia política da Índia, fundada por Nehru, sendo  de momento o vice-presidente do partido; a mãe, Sonia, é a presidente. A avó e o pai, Indira e  Rajiv Gandhi, foram primeiros-ministros e foram assassinados. Quando Rahul cresceu e entrou    timidamente, para o negócio de família, chamaram-lhe político relutante. Pela timidez que  mostrava, pela falta de qualidades de orador, no fundo pela falta de carisma. Rahul quer ser um herdeiro directo do socialismo do bisavô Nehru e a sua plataforma política centrou-se na justiça social. Um tema importante mas que, explicaram os analistas, passou ao lado de muitos indianos que sonham com outra linguagem, a das reformas económicas por exemplo.

 Arvind Kejriwal
 O antigo funcionário público de 55 anos é o fenómeno destas eleições. O partido Aam Aadmi      
 (Homem Comum), que fundou há um ano e meio, ganhou relevo nacional e nas primeiras eleições  nacionais em que participa vai roubar votos ao Partido do Congresso. Em Dezembro do ano  passado, Kejriwal venceu as municipais de Nova Deli mas foi breve a sua passagem pela  governação da cidade, que era um feudo do Congresso. Demitiu-se em Fevereiro, por não  suportar a pressão — escreveu-se na altura — quando não conseguiu aprovar uma lei anti- corrupção para a cidade. Muitos perguntaram então se o líder do Homem Comum estará  preparado para lidar com a enorme popularidade que alcançou. Kejriwal, que passou a maior parte da sua carreira na função pública no departamento de impostos, foi o impulsionador de um movimento contra a corrupção e conseguiu aprovar legislação contra este tipo de crimes. A raiz do partido que fundou está nessa batalha e limpar o Estado e o governo da corrupção é o primeiro ponto do seu programa eleitoral.

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