E se a 25 de Maio pudéssemos votar em 21 cidadãos, e não apenas num partido?

Plataforma para o Crescimento Sustentável apresenta esta terça-feira propostas “arrojadas” para fomentar a participação de Portugal no desenvolvimento da União Europeia, na primeira de uma série de conferências.

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Carlos Pimenta foi eurodeputado entre 1987 e 1994 Enric Vives-Rubio

Se fossem adoptadas amanhã, as recomendações da Plataforma para o Crescimento Sustentável (PCS) para a promoção da cidadania europeia deixariam os eleitores portugueses até mais próximos das sedes do Parlamento Europeu (PE), em Bruxelas e Estrasburgo, do que da sua Assembleia da República, em Lisboa.

O grupo de reflexão criado em 2011 por Jorge Moreira da Silva - antes de integrar o Governo com a pasta do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia – acaba de apresentar o seu programa de actividades para 2014 que investe particularmente na questão da participação de Portugal naquele processo a que, sintomaticamente, deixámos de ouvir chamar “construção europeia”. 

O ex-secretário de Estado do Ambiente Carlos Pimenta, que rendeu Moreira da Silva na presidência da PCS, promete que este think tank vai apresentar “um conjunto de propostas arrojadas” que, se pudessem ser implementadas já, dariam aos eleitores portugueses uma possibilidade de intervenção na escolha dos 21 eurodeputados que vão eleger a 25 Maio mais ampla até do que aquela de que dispõem quando votam nas legislativas.

Essas recomendações hão-de constar de um estudo intitulado Portugal e a União Europeia, a publicar até Junho. Se um dia prevalecerem, passaremos a encontrar nos boletins de voto das eleições para o PE não só a inscrição dos partidos políticos portugueses concorrentes, mas também a indicação do partido europeu no qual aqueles estão filiados. Além disso, antes das eleições europeias, os partidos deixariam bem claro quem era o seu à presidência da Comissão Europeia, de modo a que o eleitor português soubesse que, com o seu voto, também estava, indirectamente, a votar em quem se perfilava para liderar a comissão, como sucede hoje com Jean-Claude Juncker, Martin Schultz ou Alexis Tsipras, do Partido Popular Europeu, dos Socialistas Europeus ou do Partido da Esquerda Europeia - do mesmo modo, no fundo, que nas legislativas de 2011 os eleitores sabiam que, ao votar PS ou PSD, estavam indirectamente a levar Sócrates ou Passos Coelho para a chefia do Governo.

Estas alterações ainda não têm muito de revolucionário, já constam, na verdade, de recomendações que a Comissão e o PE têm vindo a aprovar desde 2010. Mas a PCS vai mais longe e, para o “médio a longo prazo”, no documento preparatório do estudo sugere que “os partidos políticos portugueses aprovem uma reforma eleitoral que aumente a responsabilização individual dos eurodeputados” perante os eleitores, permitindo que o voto destes traduza, além da opção por um partido político, a escolha de eurodeputados individualmente considerados, “independentemente da posição [por eles] ocupada na lista apresentada” pelo respectivo partido. Uma solução compatível com o Direito Comunitário? “Não vai contra, está à margem dos tratados”, responde Carlos Pimenta.

O draft da PCS não o refere, mas parece legítimo pensar que se os eleitores escolherem um dia eurodeputados concretos, será ainda mais difícil aos governos dos estados membros impedi-los de elegerem, por sufrágio directo, os Juncker, Schultz ou Tsipras de então. O influente ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, tem defendido isso mesmo. Outro sinal de mudança vem do facto de a Eurovisão já ter anunciado a realização de debates televisivos entre os candidatos dos partidos europeus à Comissão, a 15 e 20 de Maio.

Carlos Pimenta recorda que as eleições de 25 de Maio já se realizarão na vigência do Tratado de Lisboa, que estabelece que o Conselho Europeu, “tendo em conta” os resultados das eleições para o PE, proporá em Outubro a este órgão, para aprovação ou rejeição, o nome do sucessor de Durão Barroso na Comissão. “Isto assim começa a ser mais interessante. Já leva as pessoas a perguntarem-se ‘quem é este Schultz ou este Juncker?’”, exemplifica.

Além do estudo Portugal e a União Europeia, a PCS também se propõe organizar um ciclo de debates homónimo. O primeiro, a decorrer dia 18, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, em Lisboa, conta com José Tavares, Maria Manuel Leitão Marques e Manuel Meirinho para, sob a moderação de Carlos Costa Neves, da PICS, responder à pergunta Há uma cidadania europeia? Em Abril debater-se-á a Governação Económica da Europa e em Junho fecha-se o ciclo: A União Europeia no pós-eleições. E agora?

"Não conta para nada"
Esta última sessão vai tratar pouco das implicações político-partidárias das eleições de Maio em Portugal. Por um lado, porque, apesar de contar sobretudo com militantes e simpatizantes do PSD entre os seus 300 membros, a PCS faz questão de sublinhar que é uma entidade independente, mais interessada em afirmar-se pela qualidade técnica das contribuições do que pelas proclamações políticas.

Por outro lado, porque Carlos Pimenta, que foi eurodeputado eleito pelo PSD durante 13 anos, entende que nem vale a pena perder muito tempo com as farpas que Rangel, Melo e outros candidatos espetam em Assis, e vice-versa, nem com aquilo que se diz do Governo. “Logo a seguir às eleições, os eurodeputados entram na dinâmica da política europeia e o que se disse antes, sobre outras questões, não conta para nada”.

Em 2014, a PCS também vai promover debates e conferências sobre o investimento no mar, a sociedade civil e o terceiro sector e a inovação e o empreendedorismo. Mas o futuro da União Europeia é mesmo o tema que sobressai. Não só por causa das eleições para o PE ou das novidades do Tratado de Lisboa que agora vêm ao nosso encontro. Para Carlos Pimenta, o merecimento do destaque também decorre de aspectos que considera negativos, como a crise do euro, o avanço dos eurocépticos e dos partidos xenófobos ou a crise na Ucrânia, coisas que ele, optimista, até acredita poderem levar a um recuo da abstenção a 25 de Maio. É que há muitas questões interessantes em aberto, insiste: “Comecei nisto há 30 anos e tenho mais perguntas do que respostas.”
 

   

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