Ciência, o que mudou?

Sabemos que a aposta em Ciência atravessou a agenda de vários Governos. A necessidade de salvaguardar este sistema foi mantida como objectivo concertado, permitindo ao país ultrapassar atrasos estruturais. O que terá mudado?

Ao longo deste tempo, houve quem chamasse a atenção para as fragilidades deste sistema. A precariedade de investigadores e bolseiros tornou-os alvo de pressões institucionais, que jogavam com as suas fragilidades (muitas vezes pelos que os deviam orientar e proteger) e deixou-os à mercê do curto prazo. O simples sopro de alguns ventos demonstrou o castelo de cartas. Entretanto, outras questões acentuaram-se, como a emigração dos mais qualificados (uma nova noção de spill over).

Ora, competir na área da ciência é saber dar condições. Foi isso que permitiu a Portugal atrair investigadores estrangeiros e portugueses no exterior (e quantos não se sentem agora traídos). Mesmo nos países de maior dinâmica laboral, esta é uma questão fundamental. Mas há quem pense que se aguenta tudo...

Poderia estar aqui a razão da mudança. A tutela e o presidente da FCT ainda ensaiaram ser essa a razão, mas o que vemos não é uma revisão do estatuto do investigador que possa incluir a noção de tenure (veja-se o 5.º parecer do CNCT), ou uma mudança no regime dos bolseiros. Manteve-se a estrutura, mas reduzindo. E é aqui que percebemos o que está a acontecer. A mudança política da FCT está a par de um movimento, que acredita que concentrar é melhorar, porque uma elite deve ter mais meios. O mesmo acontece com as universidades, apesar da chamada de atenção da OCDE para os perigos deste movimento. A concentração 1% chegou ao ensino superior e à ciência. Na reorganização da rede, ou nos laboratórios e centros de investigação, acerta-se o passo.

Quem acredita neste movimento não percebe questões básicas, nomeadamente: para existir um efeito de transborde científico é preciso que haja ciência, e isso só existe com cruzamentos e articulações; a Ciência não se resume às métricas New State, pois depende de múltiplas variáveis e combinações (hoje desajustado, amanhã chave para a descoberta); e, por fim, a sociedade, tal como a ciência, beneficia de uma população esclarecida e qualificada, pois é essa a chave do futuro (e do novo). A atual equipa Ciência não percebe estes argumentos. Acredita na "Ivy League" e simplesmente quer jogar sozinha. Orgulhosamente...

Professor do Instituto Politécnico de Tomar e membro da direcção do Snesup

 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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