Os computadores das escolas estão obsoletos e a Internet “sempre a cair”

Directores das escolas apontam o desinvestimento nas tecnologias como explicação para a quebra abrupta do acesso dos alunos portugueses a computadores ou portáteis nas salas de aula. Ministério garante que este Governo "voltou a investir numa agenda digital".

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Nelson Garrido

Há poucos computadores e os que existem “estão obsoletos”. A rede de Internet, por outro lado, é lenta e “está sempre a cair” e, abandonado o Plano Tecnológico da Educação, os famosos portáteis Magalhães distribuídos aos alunos desapareceram das mochilas sem nada que os substituísse. Eis as razões apontadas pelos responsáveis das escolas para a quebra do número de alunos portugueses com acesso a computadores ou portáteis nas salas de aula.

“Temos reclamado que façam chegar as novas tecnologias às escolas, com tablets e computadores que possam substituir aqueles que existem e que estão obsoletos”, declara Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), ajudando a perceber os resultados apontados no estudo Measuring Innovation in Education, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que mostram que a percentagem de alunos portugueses com acesso a portáteis nas escolas caiu de 55% para 43%, entre 2009 e 2015. E que no 4.º ano de escolaridade, o trambolhão foi ainda maior. A percentagem de alunos com acesso a computadores ou portáteis nas aulas de leitura desceu de 47% em 2011 para 14% em 2016.

A culpa disto, sublinha o presidente da ANDAEP, não pode ser imputada às escolas nem aos professores. “A não ser nas aulas de TIC [Tecnologias da Informação e Comunicação], onde normalmente existe um computador para cada dois alunos, o que existe nas salas de aula é um computador e um videoprojector em cima da mesa do professor. E o videoprojector projecta mas a rede de Internet nas escolas não é fiável e está sempre a cair”, contextualiza ainda Filinto Lima.

Já decorreram dez anos desde que o Plano Tecnológico da Educação chegou às escolas, num investimento de mais de 400 milhões de euros que visava colocar Portugal entre os primeiros cinco países europeus em termos de acesso à tecnologia nas salas de aula. Na altura, prometia-se uma impressora, um videoprojector e um computador ligado à Internet em cada sala de aula, além de quadros interactivos e os famosos computadores portáteis Magalhães.

A partir de 2011, porém, e com a mudança de Governo, “houve um claro desinvestimento nesta área”, aponta Cristina Ponte, investigadora e coordenadora do EU Kids Online Portugal, cujos últimos inquéritos a alunos com idades entre os 9 e os 17 anos mostram que “apenas um terço dos alunos são encorajados a usar as tecnologias nas salas de aula com frequência”.

“O modelo de ter um computador por aluno parece-me difícil de gerir, mas a escola não pode ignorar que as tecnologias existem e que tem um papel importante na promoção das competências digitais”, enfatiza a investigadora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Tablets em vez de manuais

Se o estudo da OCDE tivesse incidido apenas no Agrupamento de Escolas de Carcavelos, os resultados seriam bem diferentes. Nesta escola, os manuais em papel foram deixados para trás e todos os alunos do 5.º ano de escolaridade em diante aprendem com recurso a tablets. “Como o parque tecnológico das escolas está completamente envelhecido – os computadores valem zero, do ponto de vista do inventário –, motivámos os pais e os alunos a adquirirem os seus próprios aparelhos, uns tablets que custam 140 euros, ou seja, menos do que gastariam se tivessem de comprar os manuais escolares”, explicou o director do agrupamento, Adelino Calado.

A decisão remou contra a maré, até porque, à semelhança do que se passa na generalidade das escolas, a rede wifi não funcionava. “Tivemos que pedir autorização para ter uma segunda rede, em parceria com a câmara de Cascais, para conseguirmos trabalhar dentro de cada uma das salas de aula."

Outra dificuldade prendeu-se com o facto de os alunos do 5.º e 6.º anos de escolaridade não terem podido transformar os vouchers que lhes davam acesso gratuito aos manuais em dinheiro para adquirirem dispositivos e só a 31 de Janeiro obtiveram acesso a tablets emprestados pelo Ministério da Educação — enquanto os alunos do 7.º em diante trabalham com os seus próprios aparelhos. “Foi pena ter demorado tanto tempo porque estivemos até Janeiro na tarefa extraordinária de alterar profundamente as aprendizagens e a avaliação. Felizmente correu bem”, lamenta Adelino Calado, para lembrar que a desmaterialização dos recursos educativos está prevista na lei e “acaba por sair muito mais barata”, isto apesar de os dispositivos serem taxados com um IVA de 23% “enquanto os manuais impressos pagam apenas 6% de IVA”. 

Ministério garante que está a investir

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação começa por notar que os dados apontados no relatório da OCDE referem-se aos anos de 2015/2016, "depois de, nessa legislatura, a decisão ter sido a de cancelar o Programa Tecnológico da Educação". Com a entrada em funções do actual Governo, garante, "voltou a investir-se numa agenda digital". Em resposta por escrito, o ministério enumera medidas como o "alargamento da disciplina 'tecnologias de informação e comunicação' a todos os anos do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e o reforço desta componente no 1.º ciclo", a "distribuição de licenças digitais associadas ao programa de gratuitidade de manuais escolares" e o "desenvolvimento de um programa de formação específica para professores na área das tecnologias de informação e comunicação".

Ao mesmo tempo, "no quadro dos recursos disponíveis, o Ministério da Educação está a investir na rede de Internet das escolas e na aquisição de computadores para uso partilhado".

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