Bolsas pressionam Trump e Xi a chegarem a um acordo

A economia mais lenta assusta Pequim e a queda nos mercados, com a Apple em destaque, é vista com desagrado na Casa Branca, que continua paralisada. Os dois países precisam da boa nova de um acordo para ajudar a combater os seus problemas.

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Reuters/Kevin Lamarque

O abrandamento da economia mundial e a queda que se tem vindo a registar nas bolsas mundiais estão a empurrar os Estados Unidos e a China a chegarem até ao final de Fevereiro a um acordo credível que elimine de forma convincente os receios de eclosão de uma guerra comercial, cujos potenciais efeitos negativos para ambos os lados se tornaram ainda mais evidentes esta quinta-feira, com o reconhecimento pela Apple de que os seus resultados vão ficar abaixo do inicialmente previsto.

No início de Dezembro, numa reunião feita à margem do G20 realizado em Buenos Aires, Donald Trump e Xi Jinping decidiram estabelecer uma trégua de 90 dias no conflito comercial que se vinha sucessivamente agravando entre os dois países. Dessa forma, ganharam tempo para procurar um acordo que evitasse mais subidas de taxas alfandegárias e impedisse uma escalada das limitações impostas às trocas comerciais e investimento. No entanto, bastaram alguns dias de declarações contraditórias das duas partes relativamente ao que tinha ficado estabelecido para fazer renascer as dúvidas relativamente à capacidade de os EUA e a China chegarem a um acordo significativo e credível.

Agora, passado pouco mais de um mês e quando faltam 60 dias para o fim da trégua, são os mais recentes desenvolvimentos na economia e nos mercados que estão a fazer crescer, em ambos os lados, o sentido de urgência relativamente ao estabelecimento de um acordo.

Nas últimas semanas multiplicaram-se os sinais de que a economia mundial está, no final de 2018 e no arranque do novo ano, em claro abrandamento. Entidades como a Comissão Europeia, Banco Central Europeu ou Fundo Monetário Internacional têm vindo a rever consecutivamente em baixa as suas previsões de crescimento e os indicadores mais recentes – como o das encomendas à indústria publicados esta quarta-feira – confirmam o menor ritmo de actividade económica.

Isto é especialmente notório na China, onde as encomendas na indústria caíram pela primeira vez em dois anos e as vendas no comércio a retalho cresceram ao ritmo mais baixo da última década. Em Pequim, as autoridades chinesas temem que o ritmo de crescimento económico baixe para um nível que não assegure a estabilidade social e desconfiam que uma parte decisiva do abrandamento económico esteja relacionada com a tensão comercial entre os dois gigantes globais.

Nos Estados Unidos, onde o abrandamento é muito menos acentuado, a preocupação está concentrada naquilo que acontece nos mercados financeiros. Wall Street teve um final de ano muito negativo, registando o pior mês de Dezembro desde a Grande Depressão. O início do ano ainda não trouxe uma recuperação e esta quinta-feira, na Bolsa de Nova Iorque, a sessão foi outra vez de perdas. Isto incomoda particularmente Donald Trump, que nos meses anteriores se habituou a usar as valorizações bolsistas como exemplo do sucesso da sua administração na área económica.

Aquilo que está a acontecer à Apple é particularmente ilustrativo do que podem ser as consequências imediatas potenciais de uma escalada do conflito comercial. A empresa surpreendeu na quarta-feira à noite ao avisar que os seus resultados podem ficar abaixo das expectativas, explicando que tal acontecia em parte por causa de uma menor procura dos seus produtos na China. As acções da Apple sofreram na reabertura dos mercados uma queda abrupta, próxima dos 10%, e afectaram o desempenho de uma série de outros títulos.

Isto é, um abrandamento económico na China, agravado pela ameaça de uma guerra comercial com os EUA, acaba por afectar os resultados de uma das maiores empresas norte-americanas, o que por sua vez prejudica o desempenho dos mercados financeiros internacionais.

É por isso que parece cada vez mais evidente que, tanto em Pequim como em Washington, ter um acordo comercial para apresentar globalmente se tornou prioritário.

Do lado chinês têm sido passados à prática, de forma pública, diversos compromissos assumidos em Buenos Aires perante Trump: o país voltou a importar soja dos EUA, corrigiu a lei que forçava a transferência de tecnologias das empresas estrangeiras a actuar na China e declarou o seu compromisso contra as violações de propriedade intelectual.

Do lado americano, as últimas declarações públicas de Trump mostram a sua vontade em ter um acordo comercial na mão. O presidente dos EUA referiu-se às recentes desvalorizações bolsistas como uma “pequena anomalia” que irá ser rapidamente corrigida “assim que forem conhecidos os acordos comerciais” que irão ser assinados. O mais importante desses acordos é o que está a ser negociado com a China.

No meio disto, Portugal, como pequena economia que tem baseado uma parte significativa do seu crescimento nas exportações, pouco mais pode fazer no curto prazo do que gerir os impactos da conjuntura externa. A segunda metade do ano passado foi já de abrandamento da actividade económica, em sintonia com a conjuntura económica mais negativa a que se está a assistir no resto do mundo. E as perspectivas para 2019, de acordo com as previsões realizadas por instituições nacionais e internacionais, são de um ritmo de crescimento económico mais baixo.

Em Dezembro, o Banco de Portugal reviu em baixa as suas projecções de crescimento, apontando agora para variações do PIB de 2,1% em 2018 e de 1,8% em 2019. No OE, o Governo está mais optimista, antecipando um crescimento de 2,2% este ano.

Esta quinta-feira, o Instituto Nacional de Estatística revelou que tanto o indicador de confiança dos consumidores como o indicador de clima económico (que mede as expectativas dos empresários) mantiveram, nos últimos meses de 2018, a trajectória descendente iniciada em meados do ano.

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