Trump escolhe o seu “general” para a guerra económica com a China

O economista que vai liderar o conselho de políticas industriais e comerciais defende medidas altamente proteccionistas e escolhe a China como a grande ameaça à economia dos EUA.

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Fábrica têxtil em Shishi, na província de Fujian AFP/STR

O mundo pode estar mais próximo de uma guerra comercial entre as duas maiores potências económicas. O Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, escolheu um proeminente crítico do Governo chinês para liderar um novo órgão presidencial responsável pelas políticas industriais e comerciais norte-americanas.

O cartão de visita de Peter Navarro não podia deixar menos dúvidas. O professor da Universidade da Califórnia é autor de livros como Death by China (Morte pela China) ou The Coming Wars with China (As guerras vindouras com a China) e defende o boicote a produtos “Made in China”.

A nomeação não é propriamente uma surpresa. Navarro já aconselhava Trump durante a campanha sobre questões económicas, mas a sua influência sobre o agora Presidente eleito vem de trás. Um documentário de 2012 baseado no livro Death by China foi descrito pelo magnata como “certeiro”. “Este importante documentário explica o nosso problema com a China com factos, números e informação. Recomendo que o vejam.” A citação de Trump aparece logo a abrir o site dedicado ao filme.

O documentário coincide em vários aspectos com algumas das posições de Trump em relação à China. O ponto de partida é a convicção de que os salários mais baixos praticados pela China retiraram competitividade à indústria norte-americana. Navarro apresenta o problema com números: 57 mil fábricas encerradas e 25 milhões de empregos perdidos.

Da economia, Navarro depressa passa para a política – acusando o regime chinês de ser totalitário – e para a modernização das Forças Armadas chinesas. A conclusão só podia ser uma: a América está a morrer às mãos da China, uma ideia ilustrada no filme com uma faca a espetar o território dos EUA, ensanguentado.

Ao longo da campanha, Trump não se coibiu de apresentar a China como o grande rival dos EUA, utilizando argumentos muito semelhantes aos de Navarro. Num comício, o magnata chegou a dizer que a China está “a violar” os EUA no comércio. Algumas das promessas que fez – e que com Navarro à frente das políticas comerciais parecem agora ser certas – podem abrir uma “guerra comercial” com a China. Trump quer, por exemplo, declarar a segunda economia mundial uma “manipuladora de moeda”, com o argumento de que Pequim tem desvalorizado artificialmente o yuan para ter vantagem no comércio internacional.

Batalha dos anos 1990

Actualmente, a China encontra-se numa lista de economias monitorizadas de perto pelo Departamento do Tesouro dos EUA, que publica regularmente relatórios sobre potenciais distorções no valor da moeda. No mais recente, o Governo norte-americano não encontrou razões suficientes para recomendar o rótulo de “manipulador de moeda”.

Na verdade, os dados mostram que a China tem intervindo na sua moeda, mas é no sentido contrário daquele de que é acusada. Ou seja, o yuan tem valorizado face ao dólar nos últimos anos, tornando as exportações chinesas mais caras. “Trump parece ir em frente com o plano ‘ser duro com a China’, mas ele está a lutar as batalhas erradas, aquelas dos anos 1990”, disse à BBC o analista Fraser Howie.

Nada impede, no entanto, Trump de adoptar políticas proteccionistas, como a aplicação da taxa de 45% às importações chinesas, com a qual Navarro já se mostrou de acordo. “Se a China quer acesso ao maior mercado do mundo, deve seguir as regras. A China vai respeitar Donald Trump”, disse o economista numa entrevista ao Los Angeles Times, em Agosto.

Da China, a postura tem sido de contenção verbal, mesmo perante decisões desconcertantes como a conversa telefónica que Trump manteve com a Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, rompendo décadas de um entendimento diplomático entre os dois países. Esta quinta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, disse que Washington e Pequim devem promover “uma cooperação estável e alcançar benefícios mútuos”.

“Eles chegam como professores, chegam como empresários, e assim que chegam a um cargo como secretários de qualquer coisa rapidamente percebem que não podem aplicar a sua ideia favorita ou a sua teoria da sala de aulas”, disse ao The Guardian o professor da Universidade Peking, Christopher Balding. A partir de 20 de Janeiro, a liderança chinesa parece querer ver sentado na Sala Oval o homem de negócios, com quem será possível chegar a um acordo pragmático, e não o activista anti-comércio livre que acusa a China de “violar” a economia dos EUA.

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