Solução para os lesados do BES limitada a quem tenha processos em tribunal

Prazo para avançar com as acções judiciais prescreve a 4 de Agosto e se não houver um número suficiente de clientes a cumprir as exigências, a proposta pode mesmo não avançar.

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Aqueles que investiram no papel comercial do GES continuam sem saber quanto conseguirão recuperar Rui Gaudêncio

A solução que vier a ser conseguida para minimizar as perdas dos detentores de papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES),  pode não chegar a todos os lesados do BES ou mesmo a nenhum. Os clientes que não tenham ou que não venham a apresentar acções em tribunal contra entidades do universo GES poderão ficar excluídos da medida.

O prazo útil para o recurso à via judicial é, neste momento, já inferior a um mês e meio e o PÚBLICO apurou que essa limitação pode mesmo pôr em risco o avanço da solução para os restantes lesados que cumpram essa condição. Em causa está o facto de a solução, que em termos de modelo jurídico deve ficar concluída esta segunda-feira, seguindo depois para aprovação pelo Ministério das Finanças, precisar da aceitação por 80% dos 2100 clientes lesados ou 50% dos 432 milhões de euros reclamados.

A necessidade dos processos judiciais, avançada esta quinta-feira pela Renascença, que muitos clientes poderão desconhecer, prende-se com o facto de uma parte do dinheiro a recuperar, no médio e longo prazo, depender das acções judiciais. Os direitos dessas acções serão “vendidos” ou cedidos a um veículo, uma espécie de fundo, que vai ser criado, e que dará continuidade a essa litigância nos tribunais.

O prazo para a apresentação dessas acções é curto. O direito de pedir o arresto de bens e de responsabilizar um universo alargado de empresas e administradores do GES, como é o caso de Ricardo Salgado, entre outros, termina a 3 de Agosto, quando se completam dois anos sobre a medida de resolução aplicada ao BES. A prescrição do prazo também é importante para quem não venha a aceitar a proposta, e pretenda, pela via judicial, tentar recuperar o capital investido.

Há uma solução que permite acelerar estas acções, que é o recuso a notificações judiciais avulsas, que permitem suspender os prazos de prescrição. Mas tendo em conta as dezenas de entidades e pessoas a notificar, o processo reveste-se de alguma complexidade. Por outro lado, e apesar das notificações avulsas serem consideradas urgentes, correndo em férias judiciais, que começam a 15 de Julho, há que ter conta prazos mínimos e o universo de entidades a notificar, algumas no estrangeiro, nomeadamente no Luxemburgo.

Actualmente, os lesados que integram a Associação dos Indignados e Enganados do Papel Comercial (AIEPC), cerca de 500, já avançaram com essas acções, mas não são suficientes para viabilizar a solução, que ainda não está integralmente fechada. Fora do universo da associação, há outros clientes que também avançaram com acções, mas em número que não é possível determinar.

Os clientes que só agora decidam avançar para tribunal, e que pretendam aceitar a proposta – uma decisão que é difícil de tomar nesta altura, na medida em que ainda não é possível saber que montante de capital é possível recuperar e em quantos anos, entre outras incógnitas -, não precisam de colocar processos contra entidades como o Banco de Portugal, o Fundo de Resolução e a CMVM. É que uma das condições para a aceitação da proposta, que está a ser negociada com estas entidades e acompanhada por um representante do Governo, Diogo Lacerda Machado, será a renúncia desses direitos de litigâncias. Ou seja, os processos contra estas entidades cessarão, mantendo-se apenas as acções contra empresas do grupo GES, boa parte já em liquidação, de forma a garantir a recuperação de parte dos créditos.

Perdas para todos os clientes

Esta segunda-feira vai realizar-se a 11ª reunião do grupo de trabalho criado por iniciativa do primeiro-ministro e que está a preparar a arquitectura jurídica da proposta, tarefa que está praticamente concluída, e terá de ser aprovada pelo Ministério das Finanças, que exige como condição prévia que não envolva dinheiros públicos. A proposta inclui várias possibilidades para o financiamento do veículo a criar, já apelidado de “fundo de indemnização”, de forma a devolver aos clientes pelo menos uma pequena parte do valor aplicado, no curto prazo, e o restante a médio e longo prazo.

Para além da compensação financeira que vier a ser determinada na auditoria da Deloitte, que deverá ser apresentado esta semana, e que se espera possa determinar a recuperação entre 20% e 30% dos 420 milhões de euros em dívida, há a possibilidade de o Fundo de Garantia dos Depósitos conceder um empréstimo ao Fundo de Resolução (detido pelos bancos), que por sua vez financiará o fundo. Esse fundo ou sociedade instrumental poderá ele próprio emitir obrigações ou contrair outro tipo de empréstimo, com garantia pública, de forma a assegurar parte inicial dos pagamentos aos lesados. A que se juntará, progressivamente, o valor conseguido na recuperação de créditos.

A solução, que será de aceitação voluntária, implicará perdas para todos os clientes, mesmo os que aplicaram valores mais reduzidos (até 100 mil euros), patamar em que tem sido admitida a possibilidade de recuperação até 75% do valor. Para investimentos até 500.000 e 600.000 euros ainda está a ser equacionada a sua inclusão na proposta, mas a depender muito mais do que vier dos créditos que vierem a ser recuperados, dos pedidos de arresto de bens e complementada com soluções comerciais (produtos financeiros) que estão a ser trabalhadas. Para além do valor que será disponibilizado numa fase inicial, a recuperação do restante valor será gradual, podendo demorar entre cinco e 10 anos. A expectativa deste grupo de trabalho é que, em termos globais, a recuperação das dívidas possa ficar acima dos 50% do total investido.

A proposta a apresentar aos lesados, que o primeiro-ministro queria pronta até final de Maio, deverá ser anunciada em finais de Junho, ou início de Julho, mas a sua operacionalização ainda vai demorar alguns meses. 

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