A cimeira de duas ausências reveladora de uma ansiosa presença

Já foi abordada a exploração conjunta de hidrocarbonetos e a discussão da CPLP do futuro incide sobre a economia. A praxis que leva à entrada da Guiné Equatorial, de língua espanhola pela colonização, que fala francês por imposição francófona e estuda português por conveniência.

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Teodoro Obiang está no poder na Guiné Equatorial há 35 anos NATALIA KOLESNIKOVA/AFP

A X Cimeira dos Chefes de Estado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que decorre esta quarta-feira em Díli é marcada por factos contraditórios. Os presidentes de Angola e do Brasil, respectivamente José Eduardo dos Santos e Dilma Rousseff, estão ausentes da capital timorense. Teodoro Obiang, cuja chegada à frente de uma comitiva de 80 pessoas fora anunciada para a passada quinta-feira, só esta terça-feira aterrou em Díli para estar presente à entrada da sua Guiné Equatorial na organização da lusofonia.

A hora de chegada não foi divulgada. Não para criar efeito-surpresa, mas por motivos de segurança que sempre acompanham as viagens de Obiang. A cimeira marca também o regresso da Guiné-Bissau às reuniões da organização, após o golpe de Estado de Abril de 2012, e tem uma agenda ambiciosa: o futuro.

Da cimeira sairá um grupo de trabalho sobre o futuro da organização. É a consagração do reforço da visão económica, o triunfo da praxis que levou à adesão da Guiné Equatorial – o que torna as ausências de Dilma e Eduardo dos Santos ainda mais pesadas.

Na mesa da CPLP está o estudo da exploração conjunta das reservas de hidrocarbonetos, embora a decisão não deva ser tomada em Timor. Já os países africanos pretendem que seja criado na CPLP uma espécie de espaço Schengen, de livre circulação para as suas elites económicas. Isto coloca problemas a Portugal, sujeito às regras de circulação da União Europeia (UE), e leva a que, apesar de todos os esforços, esta se transforme numa questão bilateral: de um lado Portugal, membro da UE face aos restantes Estados-membros. O tema foi referido em Lisboa pelo Presidente moçambicano, Armando Guebuza, e abordado por empresários africanos na conferência internacional da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal a 3 de Junho.  

Do ponto de vista orgânico é pretendido o reforço do estatuto de observador, como mecanismo para futuros alargamentos. Actualmente, como observadores associados estão as Ilhas Maurícias, o Senegal e ainda a Guiné Equatorial. Entre os países que solicitaram o estatuto de observador e cujos pedidos serão analisados individualmente em Díli estão a Geórgia, a Namíbia, a Turquia e o Japão.

Tal diversidade de candidatos coloca, obviamente, o vector identitário da língua em cima da mesa. O português é a sexta língua mais falada do mundo, a terceira europeia de afirmação global, o primeiro idioma do hemisfério sul, a terceira mais falada nas redes sociais e a sexta mais utilizada nos negócios. Reforçar o papel do idioma como língua de trabalho internacional está no horizonte. Por ironia, quando a CPLP abre as portas a um país que não fala português.

As ausências angolana e brasileira são reveladoras do modo como dois dos principais Estados-membros da CPLP se relacionam com a organização – quando Brasília e Luanda foram os principais avalistas da candidatura da Guiné Equatorial. Para o regime de Malabo – que instituiu em 2012 um prémio da UNESCO para as ciências da vida com o nome de Guiné Equatorial e uma dotação de três milhões de dólares (mais de dois milhões de euros) que este ano terá uma reedição com 50 candidaturas – é fundamental o acesso a palcos internacionais para quebrar o seu isolamento, incluindo uma organização cujo vector primário de identidade é a língua portuguesa. Este idioma não é dominado na Guiné Equatorial, apesar de constitucionalmente ser consagrado como o terceiro, depois do espanhol, fruto da colonização, e do francês, adoptado após o acesso do país africano ao universo da francofonia.

Foi na semana de 7 de Julho que as autoridades portuguesas ficaram ao corrente da ausência de Dilma de Díli, ainda antes da goleada que o futebol alemão impôs à “canarinha”, em pleno Mundial. Dias mais tarde, soou a não presença de Eduardo dos Santos. O primeiro incómodo foi para os timorenses: a data da cimeira teve em conta o Mundial de Futebol, e este cuidado de nada serviu. O Brasil está ausente, ao mais alto nível – faz-se representar pelo chanceler Luiz Alberto Figueiredo Machado –, da primeira cimeira da CPLP em Timor e na Ásia, sendo a justificação a agenda de Dilma e as eleições presidenciais de Outubro próximo. Aliás, as relações Brasília-Malabo com Lula da Silva já tinham tornado o ex-Presidente objecto de acesas crítica, o que indicia também que para a diplomacia externa brasileira existem outros canais, individuais e mais próprios, para estar presente numa área importante para os seus interesses económicos. Na semana passada, a diplomacia brasileira esteve em pleno rendimento na cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e com a assinatura de 32 acordos com Pequim.

De pouco serviram também as diligências de Díli junto de Luanda. Em 30 de Junho, Roque Rodrigues, enviado especial do Presidente de Timor, foi recebido em audiência por José Eduardo dos Santos a quem entregou uma carta-convite do Presidente, Taur Matan Ruak. Afinal, Eduardo dos Santos é substituído pelo vice-presidente Manuel Domingos Vicente.

A CPLP, até hoje composta por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau. Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor tem três vértices importantes, um “trio de influência” informal: Lisboa, Brasil e Luanda. É este relacionamento que interessa a Portugal. Contudo, os máximos representantes de dois deles estão ausentes.  Cavaco Silva lidera a delegação portuguesa, que incluiu o primeiro-ministro, Passos Coelho. O Presidente português opôs-se em 2010 à entrada da Guiné-Equatorial na cimeira de Luanda, onde nasceu o roteiro que Malabo tinha de cumprir: ensino do português, democratização de um regime liderado há 35 anos por Obiang, abolição da pena de morte. Na reunião magna de Maputo, em 2012, não houve evolução.

Luanda, de forma clara, e Brasília, com discrição, pressionaram Portugal e não se eximiram a críticas a Cavaco Silva. A moratória da pena de morte levou os ministros dos Negócios Estrangeiros a recomendar a adesão guineense a 20 de Fevereiro último, em Maputo. Hoje, em Díli, dos mandatários do “trio de influência”, resta Cavaco – que se opôs a Obiang. A seu lado tem inesperada companhia: a Confederação Sindical dos Países de Língua Portuguesa, o Bloco de Esquerda, organizações de defesa dos direitos humanos e algumas personalidades.

Isto gera um inevitável incómodo. Na diplomacia, as fotos de família consagram para a posterioridade as decisões. Dão rosto aos acordos. Personalizam consensos. As palavras de reserva ou reticências não são perenes, quando a decisão é o “sim”. Em Seul, em vésperas da chegada a Díli, o Presidente da República recorreu ao argumento da precedência: “Essa matéria [a adesão da Guiné Equatorial] só a abordarei em Timor. Caso contrário, estaria a desvalorizar o debate que vai ocorrer.” Em 20 de Fevereiro, os chefes da diplomacia da CPLP recomendaram a adesão, no que foi a verdadeira precedência. E não há sinais de falta de coordenação entre Belém e São Bento.

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