Um outro tipo de filme de abertura
19 filmes em competição. Italianos em força, os americanos Gus Van Sant e Todd Haynes, os asiáticos Hou Hsiao Hsien e Jia Zhangke, cinco franceses. Entre os quais La Tête haute, de Emmanuelle Bercot, um drama social, um outro tipo de filme de abertura.
Os italianos em força na competição de Cannes (13 a 24 de Maio), Nanni Moretti, Matteo Garrone, Paolo Sorrentino, juntaram-se em comunicado.
Talvez possa favorecer a sua cinematografia, congratulam-se, ajudar à memória de uma tradição que a televisão ajudou a desertificar até níveis de aridez dramáticos: Mia Madre, ou as eternas dúvidas de Moretti, Il racconto dei racconti, de Garrone, La giovinezza, de Sorrentino, filme sobre a “fealdade” depois de A Grande Beleza. Só o primeiro é falado em italiano, note-se. Os outros dois têm super-casts internacionais e são falados em inglês: Michael Caine, Jane Fonda, Harvey Keitel estão no filme de Sorrentino; Salma Hayek, Vincent Cassel, John C. Reilly no de Garrone.
Será “tendência”? The Lobsters, do grego Yorgos Lanthimos, tem Colin Farrell, Rachel Weisz, Léa Seydoux e outra vez John C. Reilly. Fica mais intrigante ainda esta história de humanos obrigados a acasalar em 45 dias ou então são transformados em animais. É realizada por um cineasta que em pouco tempo fixou o seu lugar num mapa: “o género de filmes em que não se compreende tudo”, como dizia Thierry Frémaux, delegado-geral do festival, como se exibisse uma tolerada bizarria. E em Louder Than Bombs, do norueguês Joachim Trier, encontramos Jesse Eisenberg, Amy Ryan, Gabriel Byrne e David Strathairn.
Maior do que a embaixada italiana na competição é a francesa: cinco filmes, um deles logo a abrir e em concurso e a romper com uma certa ideia de filme de abertura, a de algo que raramente tem interesse artístico e funciona como manobra mediática para lançar um blockbuster e povoar a gala de abertura de estrelas. Esse filme é La Tête haute, de Emmanuelle Bercot, com Catherine Deneuve e Benoît Magimel, um drama social. Tem-se enfatizado que é a segunda vez na história de Cannes que um filme de abertura é realizado por uma mulher, depois de Un homme amoureux, de Diane Kurys, em 1978, o ano em que Maurice Pialat recebeu a Palma de Ouro por Sob o Sol de Satanás e agradeceu os assobios dizendo que se não gostavam dele, ele também não gostava deles. Mas espera-se que a programação de La Tête haute não seja um outro programa; que seja mesmo cinema e não apenas uma certa ideia de cinema de autor.
“Belle année française”. como disse Frémaux? Os novos de Arnaud Desplechin, Trois Souvenirs de ma jeunesse, e de Philippe Garrell, L’Ombre des Femmes, fizeram como Miguel Gomes e as suas Mil e uma Noites, preferiram a Quinzena dos Realizadores depois daquilo que a Selecção Oficial lhes queria oferecer. Ficaram no concurso Jacques Audiard, com Erran, Maïwenn com Mon Roi, que tem como actriz Emmanuelle Bérco, a realizadora do filme de abertura, La Loi du Marché, de Stéphane Brizé, Marguerite et Julien, de Valerie Donzelli, e La Vallée de l’amour, de Guillaume Nicloux, com Huppert/Depardieu – eis um grande reencontro, 40 anos depois de Les Valseuses, 24 depois de Loulou de Pialat.
E agora, a Ásia: The assassin do taiwanês Hou Hsiao-Hsien (filme de artes marciais); Mountains May Depart de Jia Zhangke (a China contemporânea, de novo, depois de A Touch of Sin); Notre Petite Soeur de Hirokazu Kore-Eda.
Na lista dos 19 filmes em concurso: Macbeth do australiano Justin Kurzel, com Michael Fassbender e Marion Cotillard; Le fils de Saul do húngaro Laszlo Nemes (se calhar, um acontecimento: dois dias na vida de um Sonderkommando, o grupo de prisioneiros judeus obrigados a dar assistência aos nazis na máquina de extermínio); Sicario de Denis Villeneuve; The Sea of Trees, de Gus Vant Sant, sobre o encontro entre um americano que se quer suicidar (Matthew McConaughey) e um, igualmente perdido, japonês (Ken Wanatabe), no Monte Fuji - Van Sant, como Moretti, já venceu uma Palma de Ouro; Carol, de Todd Haynes, com Cate Blanchett e Rooney Mara – Haynes recebeu o prémio da melhor contribuição artística por Velvet Goldmine na edição de Cannes 1998.
O júri da competição é presidido pelos irmãos Joel e Ethan Coen. Isabella Rossellini, filha de Ingrid Bergman (o cartaz desta edição), preside ao júri da secção Un Certain Regard, cuja abertura será feita por Naomi Kawase e onde estão seleccionados os romenos The Tresaure, de Corneliu Porumboiu, e One Floor Below, de Radu Muntean, o tailandês Cemetery of Splendour, de Apichatpong Weerasethakul (Palma de Ouro em 2010 com O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores) ou Brillante Mendoza, com Taklub. Love de Gaspar Noé será exibido na Sessão da Meia Noite, e o cartaz, em versão hardcore e em versão para (quase) todos, as duas exuberantemente inundadas por fluidos humanos, já faz parte da petite histoire desta 68.ª edição. Para a História de Cannes 2015 ficará certamente a homenagem a Manoel de Oliveira, com a exibição de Visita ou memórias e confissões, o filme que o cineasta deixou para ser exibido postumamente e que teve a sua estreia mundial no Teatro Municipal do Rivoli, Porto.