Receitas do turismo cada vez menos dependentes dos principais mercados europeus

Gastos de França, Reino Unido e Espanha ainda representam 47% do total, mas mercados alternativos estão a ganhar peso. Rússia e China cresceram 700% em dez anos e Angola subiu aos cinco primeiros lugares.

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No ano passado, Estados Unidos protagonizaram maior subida dos gastos no turismo português Rui Gaudêncio

Dez anos mudaram muito a forma como viajam, mas não tanto a origem dos turistas que mais dinheiro gastam em Portugal. Tal como acontecia em 2003, também no ano passado o ranking foi liderado por três países europeus: França, Reino Unido e Espanha. Mas, apesar de estes mercados ainda representarem uma fatia significativa das receitas do sector, o seu peso tem vindo a diminuir na última década, ao mesmo tempo a que se assiste a um multiplicar dos gastos de visitantes russos, chineses e angolanos.

Num ano recorde nas receitas turísticas, que atingiram globalmente 9249,6 milhões de euros, França consolidou o estatuto de maior contribuinte para os proveitos do sector, com as despesas dos turistas do país a subirem 8,6% para 1668,5 milhões de euros, mostram os dados divulgados recentemente pelo Banco de Portugal (BdP). Os franceses roubaram o lugar aos britânicos em 2011, que ocupam desde então o segundo lugar do ranking, tendo gasto 1507 milhões em 2013, após um crescimento de 4,2%.

A Espanha fecha o círculo dos três principais mercados para o turismo nacional, ao mesmo tempo que permanece o maior destino das despesas dos visitantes portugueses. No ano passado, os gastos dos espanhóis em Portugal renderam 1134,6 milhões de euros, subindo 2,7%. Já o contributo nacional para os proveitos do sector turístico do país vizinho cresceu 4,7% para 876,2 milhões, embora ainda não tenha atingido o pico registado no período pré-crise (foi de 1027,4 milhões em 2008).

No conjunto, franceses, britânicos e espanhóis representaram 46,6% das receitas turísticas nacionais em 2013 e foram responsáveis por 34,5% do crescimento absoluto registado entre 2012 e 2013 (644,1 milhões de euros). No relatório sobre a décima avaliação do actual programa de ajustamento financeiro, o Fundo Monetário Internacional alertava para o facto de o crescimento das exportações, sustentado também pelos bons resultados do turismo, poder não ser sustentável, já que este é um sector muito sujeito a “choques na procura”. Dava, aliás, o exemplo da líder França, defendendo que os aumentos que se tem registado até aqui “podem reflectir o desvio de turistas de países do Magrebe “, que têm vivido um período de instabilidade.

A escalada de Angola
Apesar da dependência de Portugal dos três principais mercados, a última década mostra que as receitas turísticas têm vindo a diluir-se por outras paragens. Aliás, França, Reino Unido e Espanha pesavam muito mais nas contas do sector em 2003: 52,1% dos 5848,9 milhões alcançados nesse ano. Quatro anos mais tarde, essa preponderância continuava a acentuar-se, tendo-se chegado a 2007 com um peso de 54,3%. Mas, desde essa altura, a tendência tem sido de maior diversificação.

O reflexo dessa tendência é claro quando se analisa o ranking dos países que mais contribuem para as receitas turísticas do país. Se, em 2003, apenas os EUA surgiam nos sete primeiros lugares na tabela, no ano passado outros dois países fora da Europa já faziam parte do grupo: Angola e Brasil. No caso do mercado angolano, a evolução foi galopante. Há uma década, era o 12º mercado mais importante e hoje é o quinto.

Na última década, as despesas feitas por turistas angolanos em Portugal subiram 330%, passando de 119,5 para 513,9 milhões de euros. De acordo com os dados do BdP, tratou-se da terceira maior subida nos últimos dez anos. A mais significativa foi protagonizada pela Rússia, que cresceu 770%, embora o seu peso seja ainda muito reduzido, visto que os 79,8 milhões de gastos em território nacional em 2013 representam apenas 0,9% do total. Outro país em destaque é a China, cujas despesas aumentaram 665%. Mas também neste caso o contributo é muito residual (34,2 milhões de euros).

Apesar de estarem muito abaixo no ranking de origem das receitas turísticas, a forte evolução que se tem sentido nos gastos destes visitantes mostra um potencial de crescimento que tem vindo a ser impulsionado por uma maior aposta nestes países, no que diz respeito à estratégia de promoção e de venda do país no exterior. Exemplo disso é programa de Autorização de  Residência para Actividades de Investimento (ARI), os chamados vistos gold, que permitem a cidadãos que não pertencem à União Europeia garantir uma autorização de residência em Portugal em troca de investimento, como a compra de imobiliário num valor mínimo de meio milhão de euros.

O programa tem sido maioritariamente procurado por chineses, seguindo-se russos, angolanos e brasileiros. Como referiu recentemente ao PÚBLICO o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal, cada “euro investido é facilmente multiplicado por cinco ou seis”. Para Luís Lima, estes investidores acabam por fazer outro tipo de gastos, seja “em mobiliário, gastronomia, lazer ou saúde”, referiu.

Peso de 13,6% nas exportações
No ano passado, o maior dinamismo foi protagonizado por um mercado extra-comunitário, os Estados Unidos. As despesas dos norte-americanos no turismo nacional cresceram mais de 20% para 504 milhões de euros, consolidando a posição do país como sexto maior contribuinte para o sector. Já o Brasil, que nos últimos anos foi responsável por alguns dos crescimentos mais fulgurantes (74% entre 2009 e 2010, por exemplo), teve o crescimento mais ténue, tendo as despesas dos brasileiros subido apenas 1,2%.

Neste caso, a tendência de evolução dos gastos tem acompanhado o ritmo de crescimento das chegadas de brasileiros a Portugal e das estadias na hotelaria nacional, que após fortes aumentos conhecem agora uma tendência de estagnação. Um fenómeno que não pode ser dissociado da aposta feita pela TAP neste mercado e que agora esbarra na necessidade de aumento da frota. Quando os novos aviões chegarem, previsivelmente este ano, é natural que se retome o ritmo de subida do passado.

O recorde de 9249,6 milhões de euros de receitas turísticas em 2013, que veio reforçar uma balança comercial historicamente positiva para um saldo final de 6129,9 milhões, foi indispensável para o resultado global das exportações no ano passado. O turismo representou 13,6% do total de vendas de bens e serviços para o exterior, que alcançaram 68.218 milhões, após um acréscimo de 5,7%.

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