Monte Branco deu a volta ao mundo e lavou mais de três mil milhões em seis anos

Tudo começava numa pequena loja lisboeta de câmbios onde acorria gente influente. Dinheiro passou pela Suíça e Cabo Verde e regressava insuspeito. Muitos clientes da rede aproveitaram regime especial e declararam 3,4 mil quantias ao Estado.

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O caso Monte Branco é o exemplo de como complexa finança pode, afinal, seguir caminhos simples ainda que ilícitos. A teia começava, aliás, numa comum loja da Baixa lisboeta, na Rua do Ouro. Francisco Canas, conhecido como o “Zé das Medalhas”, era o primeiro contacto. O estabelecimento Monte Negro & Chaves, que ganhara fama como casa de câmbio após o 25 de Abril de 1974, serviu de porta de saída de pelo menos 3,4 mil milhões que rumaram à Suíça. Canas recebia uma comissão por cada transacção.

Entre 2006 e 2012, pessoas influentes no país, nomeadamente advogados, políticos e empresários, usaram o esquema para fugir ao fisco e branquear capitais. O plano terá causado um prejuízo ao Estado de mais de 200 milhões de euros.

O dinheiro dava a volta ao mundo numa viagem pela banca entre Portugal, Suíça, Cabo Verde e de novo Portugal. Tornava-se, no final, insuspeito e livre de impostos. Michel Canals, sócio da Akoya, na Suíça, uma sociedade de gestão de fortunas, recebia o dinheiro dos clientes portugueses. Enviava-o depois para os seus sócios na empresa suíça que o depositava em bancos de Genebra e Zurique. Daí, as somas eram transferidas para uma conta do BPN IFI, em Cabo Verde, operado a partir de agências em Portugal.

No passo final, o mesmo dinheiro era transferido para contas no BCP, em Portugal, regressando aos clientes de Canals. As verbas ficavam assim “limpas”. Integravam o circuito bancário nacional com uma origem aparentemente justificada e insuspeita.

Sete personagens-chave

São sete as personagens — e arguidos — principais deste enredo financeiro. Além de Francisco Canas e Michel Canals, o núcleo de actores na rede inclui Nicolas Figueiredo, também administrador da Akoya, o sobrinho de Canas com o mesmo nome, José Pinto, gestor na Akoya, Ricardo Arcos Castro, ex-administrador da Arcofinance, outra sociedade sob investigação, e José Carlos Gonçalves, empresário do ramo imobiliário e da construção civil de Alenquer.

Em Maio de 2012 a rede viria a ser desmantelada com 30 buscas a casas e escritórios. A complexa investigação está, porém, longe do fim. O Ministério Público pediu, em finais de Março, mais vinte meses para investigar o que acontecia na pequena loja. O juiz aceitou. Canas deixou de estar em prisão domiciliária em 2013 e Michel Canals e Nicolas Figueiredo já haviam sido libertados (sujeitos a cauções de 200 mil euros) em 2012 após cinco meses em prisão preventiva.

A lista de clientes de Michel Canals contém 180 nomes. Quando foi descoberta pelas autoridades, irrompeu o sobressalto entre os detentores de faustosas fortunas no estrangeiro. Muitos aderiram ao Regime Extraordinário de Regularização Tributária, o que lhes proporcionou o arquivamento do processo judicial. Interessava reparar as perdas para o Estado. Segundo as Finanças, foram declarados 3,4 mil milhões de euros, tendo o Estado arrecadado 258,4 milhões em imposto.

Nessa lista surgiram várias offshores ligadas a gestores do BES, entre os quais Ricardo Salgado. A empresa de Construção Civil Bento Pedroso Construções — que integra o grupo internacional Odebrecht — seria um dos principais clientes com mais dinheiro movimentado por Canas. Só esta empresa terá transferido 6,1 milhões.

O próprio Francisco Canas surgia na lista como pivot de toda a família dona de várias propriedades nos arredores de Lisboa e que terá feito movimentações de dois milhões de euros.

Ao telefone com Passos

O processo começou a ser investigado em Junho de 2011. Foi aberto com indícios que surgiram durante a Operação Furacão. Aquela investigação, que rebentara em 2005, contou com buscas ao BCP, Finibanco, BPN e BES. Aliás, dois procuradores no DCIAP, Rosário Teixeira e Paulo Gonçalves, tinham em mãos esses dois casos de megafraudes.

Pela dimensão dos seus intervenientes, cedo o caso Monte Branco alcançou contornos que criaram até uma crise política como quando o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, e o ministro dos Assuntos Parlamentares de então, Miguel Relvas, foram apanhados em escutas, entre Setembro de 2011 e Fevereiro de 2012.

As escutas visavam apenas José Maria Ricciardi, presidente do Banco Espírito Santo Investimento (BESI). Na malha das intercepções, Ricciardi falava com os governantes sobre as privatizações da REN e da EDP. Só Ricciardi foi constituído arguido. Nas seis vezes em que foi escutado, terá tentado pressionar o primeiro-ministro.

Ricardo Salgado também tinha sido apanhado nas escutas durante a investigação, mas não foi constituído arguido. O alarme que o nome do banqueiro fez soar aos investigadores levou a que fosse ouvido como testemunha, em Dezembro de 2012. Os investigadores pretendiam explicações sobre a origem de um conjunto de movimentos financeiros suspeitos. Salgado saiu livre e insuspeito. O MP garantiu então que não recaiam sobre o banqueiro quaisquer indícios de ilícitos fiscais.

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