Vandalismo na vagina de Kapoor revela intolerância política francesa, diz artista

Escultura instalada nos jardins do Palácio de Versalhes foi vandalizada esta semana com tinta.

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Escultura está virada para o Palácio Reuters

Causou polémica ainda antes de inaugurar e não aguentou muitos dias intacta. A escultura em forma de vagina que Anish Kapoor instalou nos jardins do Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris, foi vandalizada na quarta-feira. O artista, que nesta sexta-feira esteve a avaliar os estragos feitos com tinta, respondeu com uma carta aberta condenando a intolerância política francesa. “A minha melhor vingança é transformar esta violência em arte.”

Primeiro o nome, Dirty Corner, depois as semelhanças das formas com uma vagina, e, por fim, a explicação do celebrado artista, nascido em Bombaim, na Índia, em 1954, mas radicado em Londres: esta é “a vagina da rainha que tomou o poder”. As palavras de Anish Kapoor não caíram bem em França e depressa se multiplicaram as críticas à escultura de aço em forma de funil, ou de vagina, no meio de várias pedras partidas, virada exactamente para o Palácio de Versalhes que desde 2008 vem convidando artistas contemporâneos a dialogarem com os seus mestres do barroco.

Pouco mais de uma semana depois da inauguração, a obra acabou vandalizada. Por quem, não se sabe. Tudo aconteceu na quarta-feira de manhã bem cedo e nas câmaras de vigilância não se conseguem identificar os autores do acto que Kapoor classificou como uma “tragédia”. Para o artista, o que aconteceu deixa a claro “uma certa intolerância política que apareceu em França para com aquilo que a arte é”. “O problema parece-me muito mais político do que qualquer outra coisa, refere-se a uma pequena fracção de pessoas a quem lhes foi dito que qualquer acto criativo compromete o passado sagrado, reverenciado ao extremo”, reagiu o artista ao diário francês Le Figaro.

Anish Kapoor negou ainda ter apelidado a sua obra como “a vagina da rainha”, garantindo que Le Journal Du Dimanche o citou erradamente. Não mencionou a rainha, disse coisas como “dela” (her) ou “ela” (she) mas por tratar-se de uma forma feminina. “Baptizar [a escultura] com um vulgar Vagina da Rainha é uma forma de diminuir o meu trabalho, de pôr a arte ao nível dos insultos, de sujar a minha obra associando-a a palavras ofensivas”, defendeu Kapoor, argumentando já ter perdido a conta ao número de vezes que já explicou isto, inclusive na conferência de imprensa de apresentação da exposição que aconteceu a 5 de Junho. Os ataques, mesmo assim, continuaram. “Eu não procuro a provocação”, acrescentou ainda, negando o escândalo e a guerra aberta em França. Uma guerra que não é dele, diz. De qualquer das formas, Kapoor não vê qual é o problema de mencionar vaginas. “Todos temos uma – ou pelo menos todos temos alguma coisa.”

Já depois desta entrevista, e depois de ter visto os estragos à sua obra, Anish Kapoor escreveu uma carta aberta sobre o caso que foi publicada nesta sexta-feira em jornais como The Guardian, o The New York Times ou o Le Figaro: “Os vândalos que atiraram tinta para a minha escultura de Versalhes queriam destruí-la porque a acham obscena. A minha melhor vingança é transformar esta violência em arte”, escreve o autor de obras como Marsyas, a misteriosa membrana em PVC com que ocupou os 150 metros de comprimento do Turbine Hall da Tate, em 2003, a ArcelorMittal Orbit, a peça de mais de 100 metros de altura concebida para o Parque Olímpico de Queen Elizabeth, em Londres, tida como a maior escultura do Reino Unido, ou Leviathan, o enorme balão que em 2011 instalou no Grand Palais, em Paris.

“As obras de arte são por vezes o foco de uma variedade de desconfortos da sociedade. My Dirty Corner em Versalhes foi revelada na imprensa como “a vagina da rainha” ou “vagina no relvado”, e ofendeu algumas pessoas da extrema-direita política em França”, começa assim Kappor, enderençando a rua resposta.

Robert Ménard, eleito para Câmara de Béziers, no Languedoc francês, com o apoio da Frente Nacional, foi um das pessoas que se opôs à instalação da escultura em Versalhes. No Twitter, aquando da inauguração da exposição escreveu: “Vagina gigante. A arte contemporânea continua a desfigurar o nosso património”. Muitos outros nomes da extrema-direita consideraram que Kapoor estava a insultar a história de França ao mesmo tempo que alguns conservadores e monárquicos acusaram o artista de insultar a memória da rainha Maria Antonieta.

“A voz viciosa dos poucos comandou muito do debate, e resultou num acto de vandalismo ao trabalho”, continua Anish Kapoor. “Sou deixado com a pergunta de como devo reagira. Deve a pintura que foi atirada para a escultura ser removida? Ou deve ficar como parte da obra? Será que a violência política do vandalismo torna Dirty Corner ainda mais suja? Será que este acto político sujo reflecte as sujas políticas de exclusão, marginalização, elitismo, racismo, islamofobia?”

Anish Kapoor diz ter consciência do poder da arte e de como esta pode ofender, explicando que a controversa escultura pretende exactamente romper com a superfície limpinha de André Le Nôtre, o paisagista responsável pelos jardins de Versalhes. “A obra envolve-se numa conversa perturbadora com a rigidez geométrica do palácio.” E admite: até pode ser um acto de violência artística.

Mas violência artística e violência política não são a mesma coisa. “A violência política procura o esquecimento. O seu objectivo é remover a ideia que ofende, a pessoa. Opiniões políticas simplistas são ofendidas pela desordem de arte”, concluiu Kapoor, sem revelar o que vai fazer em relação aos estragos, se vai tirar tudo ou deixar estar.

Catherine Pégard, presidente do Palácio de Versalhes, apresentou queixa na polícia pelo vandalismo.

A exposição de Anish Kapoor, que sucedeu à de Lee Ufan, estará aberta ao público até ao Outubro. Estas exposições são das mais importantes do calendário mundial das artes e também das mais procuradas. Versalhes, só por si, tem cinco milhões de visitantes anuais. Em 2012, Joana Vasconcelos foi a artista escolhida e também a portuguesa se viu envolvida numa polémica quando a sua peça A Noiva, com milhares de tampões, foi recusada em Versalhes por não se adequar na exposição. A peça foi exposta paralelamente no Centquatre, em Paris.

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