Uma glória histérica

Já não podia esperar mais. Tive de ler Elena Ferrante, como todo o mundo anglófono parece lido, incitado por James Wood. Li a tradução americana de Ann Goldstein de I giorni dell'abandono (2002) enquanto tinha o original italiano ao lado, para apanhar melhor o sabor da escrita dela.

É um livro que nos agarra do princípio ao fim, sacudindo-nos, dando-nos chapadas, gritando-nos nos ouvidos enquanto tenta e consegue explicar-nos a famosa frase de Congreve segunda a qual "Heaven has no rage like love to hatred turned, nor hell a fury like a woman scorned": o Paraíso não tem raiva como o amor tornado em ódio nem o inferno tem a fúria de uma mulher rejeitada.

E agora vem Elena Ferrante mostrar que pode ser ainda pior do que isso. A histeria é das antigas e verdadeiras, daquelas que fazem estremecer o mundo e não descansam enquanto não tiverem destruído tudo para destrui-la.

Os dias do abandono fazem lembrar Kafka, Lispector e o Sartre de La nausée, na repugnância pela própria pele, na estranheza perante a própria existência. O romance é escrito como uma viagem cada vez mais horrenda ao horror que está na alma humana e que não vem dessa alma mas do exterior: de outras almas humanas que nos deixam, que se esquecem, que não querem mais saber de nós. O jovem Sartre tinha razão: "l'enfer, c'est les autres". Entre os quais, nada paradoxalmente nos contamos, cada um de nós.

Leia esta obra-prima mal possa - com o original (ou a tradução) ao lado.
 

  


 

  

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