Glenn Greenwald: "A imagem de Obama é totalmente diferente da realidade de Obama”

O jornalista Glenn Greenwald disse que "o objectivo do governo americano é espionar o mundo todo” na conferência de imprensa da Festa Literária Internacional de Paraty, no Brasil.

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O jornalista em Hong Kong no ano passado Reuters

Os passos são tranquilos. Nas mãos, uma chávena de café. São oito e meia da manhã e Glenn Greenwald caminha devagar pelos corredores de uma pousada de Paraty em direcção à conferência de imprensa que deu da FLIP. Nem parece o jornalista que no último ano anda no turbilhão NSA-Snowden-espionagem. Aos 47 anos, este nova-iorquino, que mora no Rio de Janeiro desde 2005, oferece-se para responder aos jornalistas em português.

É inevitável. Começa logo a disparar contra os  Estados Unidos e Barack Obama. “A maior parte das guerras no mundo hoje são feitas ou apoiadas pelos Estados Unidos. O exemplo mais recente é a Faixa de Gaza. Obama está sempre a aparecer a solidarizar-se com as vítimas mas na realidade os EUA estão a proteger Israel quase todos os dias na ONU. Há duas semanas escrevi uma reportagem sobre como a NSA [Agência de Segurança Nacional dos EUA] está a apoiar e muito, em segredo, a Arábia Saudita com um programa de espionagem. O que as pessoas estão começando a perceber é que a imagem de Obama é totalmente diferente da realidade de Obama.”

Sempre em tom de conversa, um dos jornalistas quer saber a sua opinião sobre o Nobel da Paz recebido por Barack Obama em 2009. Greenwald responde com humor: “ Juro, eu acordei, li o New York Times e ri. Achei que alguém tinha invadido o website do The New York Times e feito uma piada”. Lembra que um mês antes o Presidente norte-americano tinha anunciado que ia mandar mais soldados para o Afeganistão e que dois meses depois aumentou o contigente no Iraque. “Na época, os europeus estavam totalmente loucos pelo Obama, apaixonados por ele, pensando que ia salvar o mundo. Acho que as pessoas que deram este prémio vão ter vergonha até ao resto da vida.”

Quando o PÚBLICO pergunta sobre a sua relação com Edward Snowden, o norte-americano conta que o que mais o impressionou, além da coragem, foi o processo de pensamento de Snowden, “muito sistemático”. “Ele não fez nada com emoção. Não acordou um dia agitado e disse ‘vou divulgar estes documentos’. Não, foi tudo muito planeado, de um homem que de repente descobre que o Governo faz o contrário de tudo o que sempre lhe ensinaram e que ele acreditava”. Greenwald acredita que a decisão de denunciarem em primeiro lugar que a espionagem norte-americana era dirigida a todo cidadão dos EUA foi muito importante para impedir que a opinião pública tratasse Snowden como um criminoso.

Para Greenwald e Snowden era claro que no momento em que o norte-americano de 29 anos assumisse que havia divulgado informação da NSA passaria o resto da vida na prisão. A questão não era se seria preso mas quando. “Snowden nunca mostrou ansiedade ou medo. Eu fiquei muito tempo em Hong Kong tentando entender porque uma pessoa aos 29 anos com uma carreira estável, com dinheiro suficiente, com família, porque uma pessoa vai jogar tudo isso fora? Por causa do ideal político?” Ficou claro para o jornalista que se Snowden não denunciasse o que sabia carregaria a culpa pelo resto da vida. “O facto de ele estar em liberdade hoje é muito importante porque o Governo norte-americano sempre destrói a vida de quem divulga os segredos dos EUA.” O asilo na Rússia não intimida Snowden, segundo Greenwald, que lembra que é preciso muita coragem para criticar um governo que nos ajuda mas que, mesmo assim, Edward Snowden critica as autoridades russas.

Para o autor de Sem Esconderijo, mais importante do que a espionagem era incentivar o debate sobre a imprensa e o jornalismo: “Quando eu estava em Hong Kong com Snowden passámos mais tempo discutindo o papel da imprensa e do jornalismo do que espionagem. Eu queria muito questionar o relacionamento entre os jornalistas e os mais poderosos. Nos EUA, como no resto do mundo, há uma tendência dos jornalistas apoiarem quem tem mais poder. Mas o papel do jornalista é desafiar. Nos EUA a media não está fazer isso. A guerra no Iraque aconteceu em grande parte porque os jornais e revistas repetiam tudo o que o Governo Bush falava e não investigaram se havia realmente provas da existência de armas químicas. Este é o exemplo mais evidente mas há muitos outros. O Snowden não queria dar os documentos para o The New York Times justamente pela proximidade que eles têm com o Governo norte-americano. Agora há muito mais pressão para que jornais como o The New York Times e o Washington Post mostrem mais independência.”

Mas quando lhe perguntam na conferência de imprensa da FLIP porque o Brasil agora está na mira dos serviços secretos norte-americanos, Glenn Greenwald faz o disparo final: “Os Estados Unidos não precisam de uma razão para espionar, eles não pensam assim: ‘Vamos monitorar tal país por tal razão.’ Eles querem monitorar todas as comunicações que puderem. Claro que têm prioridades mas o objectivo do governo americano é espionar o mundo todo.”

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