Um país à venda! Vão-se os anéis…

Os últimos tempos têm assistido à proliferação de notícias públicas (outras nem tanto…) que indicam a saída e venda no estrangeiro de numerosas obras de arte portuguesas, muitas delas de inegável valor histórico, artístico e patrimonial.

Os ensinamentos da História revelam-nos que o património móvel português pertencente a acervos privados foi, por diversas vezes, ao longo do seu percurso, alvo da cobiça de colecionadores de várias partes do mundo. A riqueza da vivência secular e religiosa em Portugal, a importância dos recursos existentes em determinadas fases e a dispersão de bens dos conventos, muitos deles passados para propriedade das elites do regime, justificam-no sobremaneira.

Tal sucedeu no século XIX, numa dimensão ainda por determinar, em que os acervos da grande nobreza da Corte foram devidamente visitados por antiquários estrangeiros de renome. Mais tarde, já depois de 1974, aquando da instabilidade vivida após a Revolução, peças muito relevantes foram mais ou menos secretamente feitas sair do País, para a Europa e Brasil. E, mais recentemente, depois de uma época de aparente êxito e fausto, eis que a crise económica parece incitar novamente à viagem dos objetos, alguns dos quais é possível tivessem até reentrado em Portugal nos anos 80 e 90 do século XX.

Se peças de maior relevância há que saem do País, mas em que até é possível possam um dia regressar, é muito provável que tal não suceda com o ouro, jóias e objetos de prataria vendidos nas milhares de lojas de compra e penhor de metais preciosos que, nessa magnífica expressão do português do Brasil, pipocam de norte a sul de Portugal continental e ilhas.

Temos chamado a atenção, por diversas vezes, para a necessidade de haver uma análise cautelosa do destino a dar pelos referidos estabelecimentos aos objetos que adquirem, testemunhos da nossa rica história da ourivesaria. O controlo do que é fundido deveria exigir, por parte das autoridades ligadas à Economia e à Cultura, um encontro de posições que salvaguardasse ambas as vertentes, que não são necessariamente antagónicas.

A pergunta incómoda reside, precisamente, no desconhecimento do que tem estado e estará a ser fundido, sem passar por nenhum crivo que acautele a dimensão patrimonial dos objetos. Acresce a este facto a ideia de que se, numa primeira fase, eram apenas as peças de adorno em ouro a ter esse fatal destino, a valorização do metal argênteo, tempos atrás, fez arrastar para o cadinho da fundição uma grande quantidade de peças de prataria, essencialmente de uso doméstico, encorpando milhares de lingotes de metais preciosos, referenciados, ainda por cima, como troféu do aumento das nossas exportações.

Alguém dispõe de meios para avaliar a verdadeira dimensão da catástrofe patrimonial em causa? Um dia Portugal há-de acordar e, como em tantas vertentes da sua vida cultural, deparar-se-á com a realidade de que uma parte significativa do seu património estará, por incúria, necessidade ou falta de ponderada regulação, irremediavelmente comprometida.

Director do Departamento de Arte e Restauro da Universidade Católica Portuguesa, no Porto. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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